São Paulo, segunda-feira, 23 de agosto de 2010

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Alemanha sai da crise com crescimento e ousadia

Sacrifícios feitos por Berlim são recompensados

Por NICHOLAS KULISH

BERLIM - A Alemanha brigou com seus parceiros europeus sobre como reagir à crise financeira, discutiu com os EUA os benefícios do estímulo versus austeridade e seguiu de maneira ousada sua própria visão de como manter a economia forte.
As estatísticas reforçam a visão da Alemanha de que possuía a fórmula certa. O governo anunciou um crescimento econômico trimestral de 2,2%, o melhor desempenho do país desde sua reunificação, 20 anos atrás -e equivalente a quase 9% de crescimento anual se este fosse tão robusto o ano todo.
Os números também vão reforçar a convicção no país de que os trabalhadores e as empresas alemãs fizeram, em curto prazo, os sacrifícios nos últimos anos necessários para ter sucesso em longo prazo -o que seus parceiros europeus não fizeram. E vão reforçar a fala de políticos, que dizem que lidaram com a crise e a recessão que se seguiu de forma muito melhor que os EUA.
Uma ampla expansão de um programa que paga para manter os trabalhadores empregados, em vez de lidar com eles depois que perderam os empregos, foi o passo mais direto dado no calor da crise. Mas as raízes do sucesso conduzido pelas exportações da Alemanha remontam à dolorosa reestruturação sob o governo anterior, do chanceler (premiê) Gerhard Schröder.
Ao reduzir os benefícios ao desemprego, facilitar as regras de contratação e demissão e com administração e mão de obra trabalhando juntas para conter os salários, a Alemanha garantiu mais uma vez a possibilidade de exportar para crescer, com empresas competitivas e ágeis produzindo os carros e as ferramentas mecânicas que as economias mundiais demandavam.
Os alemães mantiveram-se longe do consumo alimentado por dívidas que muitos acreditam que contribuiu para a crise. Durante a recessão, a chanceler Angela Merkel resistiu ao paliativo de aumentar os gastos do governo que os EUA e alguns parceiros europeus consideraram crucial para recuperar o crescimento.
A batalha sobre como navegar a crise ajuda a demonstrar a identidade emergente da Alemanha pós-Guerra Fria como um país menos tolerante às exigências estrangeiras, menos obcecado por seus crimes históricos e mais entusiástico sobre seu modelo econômico, sua cultura e sua posição melhorada no mundo.
Jenny Wiblishauser, 33, mãe solteira que vive em Memmingen (sul), disse que a prudência financeira da Alemanha e sua disposição a ignorar críticas externas lhe causam orgulho. "Antes, os gregos nos chamavam de nazistas, e nós ficávamos vulneráveis", disse. "Hoje dizemos: 'Bem, eu não estou indo de carro até aí para passar as férias'."
Críticos na Europa dizem que a confiança tendeu à arrogância no debate contencioso neste ano sobre as medidas de apoio ao euro. Em particular, o desprezo virulento na mídia alemã contra a Grécia levantou preocupações significativas entre os aliados de que houvesse surgido uma Alemanha mais assertiva, disse Thomas Klau, especialista em integração europeia no Conselho Europeu para Relações Exteriores.
No processo, o relacionamento entre França e Alemanha tornou-se tenso e desconfiado.
Como mostram os últimos números, a Alemanha está superando a produção de seus vizinhos em margens cada vez mais amplas, despertando temores de uma Europa em duas velocidades que poderia desestabilizar o euro.
Se os políticos de Berlim estiverem certos e o ponto de virada tiver sido alcançado, eles parecerão sábios. Se a frágil recuperação quebrar, eles ainda poderão ter de suportar a acusação de que fizeram muito pouco para promover o crescimento regional e global.
Autoridades estão confiantes de que encontraram a abordagem certa, incluindo uma melhor solução para o desemprego. Elas prolongaram o programa de "Kurzarbeit", ou "trabalho curto", para incentivar as empresas a dar aos trabalhadores dispensa temporária ou jornadas menores, em vez de demiti-los.
Os próprios sacrifícios que ajudaram o país a superar seus parceiros menos disciplinados e mais fracos -incluindo pagamentos mais baixos da seguridade social- resultaram em uma profunda sensação de insegurança.
Wiblishauser, a mãe solteira de Memmingen, passou um mês em 2006 no programa de assistência regressiva conhecido como Hartz IV. Ela disse que voltar às listas da assistência social é sua maior fonte de temor. "Isso nos dá um medo existencial", disse.


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