São Paulo, segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

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Esplorando um dilúvio de dados

Os riscos do combate multitarefa

Por THOM SHANKER
e MATT RICHTEL

Quando investigadores militares examinaram um ataque de helicópteros americanos que matou 23 civis afegãos em fevereiro passado, concluíram que o operador de um avião teleguiado Predator havia deixado de transmitir informações cruciais sobre a composição de uma aglomeração de camponeses.
Mas oficiais da Força Aérea e do Exército agora dizem que havia uma causa subjacente para esse erro: excesso de informação. Numa base aérea de Nevada, o operador do Predator e sua equipe tiveram dificuldades para entender o que estava acontecendo na aldeia onde um comboio estava se formando. Eles tinham de monitorar vídeos enviados pelo avião-robô enquanto participavam, por rádio e mensagem instantânea, de dezenas de conversas com analistas de inteligência e tropas no terreno.
Havia sólidos relatos de que o grupo incluía crianças, mas a equipe não focou adequadamente nisso em meio ao turbilhão de dados -da mesma forma como um funcionário de escritório perde de vista um e-mail importante em meio a tantos outros. A equipe estava sob intensa pressão para proteger as forças americanas nos arredores, e afinal determinou, incorretamente, que o comboio de camponeses representava uma ameaça iminente, resultando em uma das piores perdas de vidas civis nessa guerra.
"Sobrecarga de informações -uma descrição precisa", disse um oficial de alta patente, que teve informações sobre o inquérito e falou sob anonimato porque o caso pode resultar em uma corte marcial. As mortes teriam sido evitadas, disse, "se tivéssemos simplesmente desacelerado as coisas e pensado cuidadosamente".
A informação é uma das armas mais potentes do século 21. Quantidades sem precedentes de dados em estado bruto ajudam os militares a determinar quais alvos atingir e quais evitar. Sensores em aviões teleguiados deram origem a uma nova categoria de guerreiros conectados, aos quais cabe filtrar o fluxo de informações. Mas o intenso acúmulo simultâneo de tarefas que tais situações exigem pode dificultar que se distinga a boa informação da má. Os militares precisam achar um meio-termo: como ajudar os soldados a explorar a enorme massa de dados sem sucumbirem à sobrecarga.
Desde os atentados de 11 de setembro de 2001, a quantidade de inteligência fornecida por aviões teleguiados e por outras tecnologias de vigilância cresceu 1.600%. As tropas usam dispositivos portáteis para se comunicar, obter orientações e estabelecer coordenadas para bombardeios. E as telas nos jatos ficam tão carregadas de dados que alguns pilotos as chamam de "balde de baba", porque, segundo eles, a pessoa se perde olhando para aquilo.
As Forças Armadas procuraram pesquisadores para ajudá-las a entender os limites e o potencial do cérebro. Assim como os militares tradicionalmente empurram a tecnologia para adiante, eles agora estão na linha de frente da tentativa de compreender como as pessoas podem lidar com a tecnologia sem serem subjugadas por ela.
Na Universidade George Mason, na Virgínia, os pesquisadores mensuram as ondas cerebrais em indivíduos que simulam o trabalho feito na Base Aérea de Nevada. Conforme o número de aviões teleguiados e o ritmo das instruções aumentam, o cérebro revela saltos em um tipo de atividade elétrica chamada teta (a letra grega) -o que é motivo de preocupação para os pesquisadores.
"Isso é habitualmente um indicador de sobrecarga extrema", disse Raja Parasuraman, diretor do programa de fatores humanos e cognição aplicada da universidade.
Ao permitir que os soldados tenham mais informações, a tecnologia satura seus cérebros. E os pesquisadores militares dizem que o estresse do combate piora as coisas. Nos testes, os pesquisadores descobriram que, quando soldados operam um tanque monitorando sinais de vídeo enviados remotamente, com frequência deixam de ver alvos bem ao seu redor.
Os militares têm buscado abordagens inovadoras para ajudar os soldados a se concentrar. Num quartel do Exército em Oahu (Havaí), os pesquisadores empregam o chamado "treinamento de aptidão mental baseada na atenção plena", para tentar "reprogramar" a capacidade de foco do indivíduo. O programa consiste em pedir aos soldados que se concentrem em uma parte do seu corpo, como sentir um pé no chão ou a sensação de estar sentado na cadeira, e que então mudem para outro foco, como escutar o zumbido do ar-condicionado.
Embora se preocupe com a sobrecarga digital, o Exército está admitindo que a tecnologia pode ser a melhor forma de ensinar essa nova geração de soldados. No treinamento básico, novos recrutas recebem instruções por aplicativos do iPhone.
Como parte desse treinamento modernizado, os recrutas na verdade são induzidos à sobrecarga de informações -por exemplo, ao testar suas habilidades em primeiros-socorros enquanto correm num percurso com obstáculos. "É assim que essa geração aprende", disse o general Mark Hertling, que supervisiona o treinamento inicial de todos os soldados. "É uma geração multitarefa. Então, se eles estão fazendo múltiplas tarefas e combinando as coisas, é assim que devemos treiná-los."
A intensidade da atividade bélica na era dos computadores fica clara numa instalação de inteligência e vigilância na Base Aérea Langley, na Virgínia. Todos os dias, em toda a rede global de vigilância da Força Aérea dos EUA, com seus equipamentos de US$ 5 bilhões, guerreiros em cubículos reveem mil horas de vídeos, mil fotos de espionagem tiradas a grandes altitudes, e centenas de horas de "inteligência de sinais" -em geral, ligações de celulares.
Ser multitarefa é algo rotineiro para gente como Josh, um tenente de 25 anos (por razões de segurança, a Força Aérea não divulga seu nome completo). Durante 12 horas por dia, ele monitora uma avalanche de imagens em dez telas.
Elas transmitem aquilo que Josh e seus colegas apelidaram de "TV da Morte" -imagens enviadas ao vivo do Afeganistão por aviões teleguiados, mostrando movimentos do Taleban, locais suspeitos de abrigarem insurgentes e unidades de combate americanas.
Enquanto observa, Josh usa um sistema sigiloso de mensagens instantâneas, exibindo até 30 conversas com comandantes na frente de batalha, tropas em combate e quartéis-generais na retaguarda. E ele está ouvindo a voz de um piloto no controle de um avião-espião U-2 na estratosfera.
"Eu fico com um fone em um ouvido, falando com um piloto no 'headset' no outro ouvido, digitando no 'chat' ao mesmo tempo e olhando as telas", disse. "É intenso."
O estresse se prolonga quando o turno termina. Josh trabalha com o cabo Anthony, 23, que diz ter dores de cabeça toda noite. "Você tem tanta informação entrando que, quando vai para casa -como dá para se livrar de tudo aquilo?", contou. "Às vezes faço ginástica."
Videogame não resolve nessas horas. "Preciso de algo real", afirmou.


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