São Paulo, segunda-feira, 24 de maio de 2010

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Indianos atrelam esperanças ao metrô

Por LYDIA POLGREEN

NOVA DÉLI - Os trens chegam com um sussurro. As portas se abrem, e um bafo de ar refrigerado confronta a asfixia veranil da cidade. Ao som de um sino, as portas se fecham, e o trem leva seus passageiros à próxima estação.
Isso poderia parecer banal nas plataformas ferroviárias de Berlim, Bancoc, Estocolmo ou Cingapura. Mas, no suarento coração da mais setentrional metrópole indiana, o sucesso do metrô, já quase concluído, é um feito que beira o miraculoso, trazendo novas esperanças de que a decrépita infraestrutura urbana possa ser levada para o século 21.
O metrô de Déli consegue desafiar praticamente todos os estereótipos sobre a Índia urbana. É escrupulosamente limpo, impecavelmente mantido e quase infalivelmente pontual.
Seus vagões são de último modelo, com direito a ar condicionado e até tomadas para que os passageiros carreguem seus celulares e laptops. Sua sinalização e seus outros itens de segurança são de primeira linha, e o sistema está entre os melhores do mundo, segundo especialistas em transporte urbano. Apesar da tarifa barata -de US$ 0,20 a US$ 0,67, dependendo do percurso-, o Metrô dá lucro.
Num país onde projetos do governo sofrem cronicamente com atrasos e estouros orçamentários, o metrô está nos trilhos para concluir sua rede de 190 km no segundo semestre, cumprindo o prazo e o orçamento de US$ 6,55 bilhões.
"O desempenho do metrô é extraordinário", disse Pronab Sen, diretor de estatísticas do governo indiano, responsável por um departamento que monitora obras com atrasos e excessos de gastos no país.
O metrô de Déli talvez seja o projeto mais ambicioso de infraestrutura urbana desde a independência da Índia, e seu progresso está sendo acompanhado de perto num país que enfrenta um iminente desastre urbano. Ao contrário da China e de outros países em rápido desenvolvimento, a Índia continua sendo predominantemente rural.
Mas isso está mudando, numa época em que milhões de camponeses pobres tentam agarrar uma fatia do crescimento econômico indiano -que é rápido, mas mal distribuído. A Índia não tem feito praticamente nada para lidar com o afluxo de camponeses para as cidades, e muito menos tem se planejado para receber mais migrantes, segundo analistas.
Um estudo publicado no mês passado pelo Instituto Global McKinsey estimou que até 2030 haverá 590 milhões de indianos nas cidades e que 70% dos novos empregos do país serão urbanos. O relatório concluiu que a Índia precisará de US$ 1,2 trilhão em infraestrutura para acomodar esses recém-chegados, incluindo 7.400 km de ferrovias e metrôs, e o equivalente imobiliário a uma Chicago por ano.
No metrô de Déli, até as ideias dos empregados mais humildes são levadas a sério, disse P. K. Pathak, diretor do instituto de treinamento dos funcionários do metrô.
Quando seus trainees sugeriram escalonar o horário de almoço na lanchonete, para aliviar a lotação, Pathak adotou a mudança no mesmo dia. "Na ferrovia, a mudança era muito difícil", disse Pathak. "No metrô, estamos abertos a todas as ideias."
Ninguém aprecia mais o metrô do que os passageiros. Pawan Sharma, funcionário público que vive no subúrbio de Dwarka (zona oeste), ficou tão impressionado com o sistema que se apresentou como monitor voluntário. Com um crachá azul no peito, ele patrulha os vagões por duas horas, de manhã e à noite, à procura de pessoas que violem regras. Não recebe compensação alguma por seu trabalho, nem mesmo passagens grátis.
As regras no metrô são rigidamente cumpridas. Cuspir, hábito comum entre homens do norte da Índia, é proibido, assim como sentar no chão, costume entre viajantes sem passagem nos trens frequentemente superlotados do país. Urinar em público, outro hábito lamentável num país com mais celulares do que sanitários, igualmente está fora de cogitação. Comer e beber também não pode.
Tais regras contrastam com o caótico vale-tudo da vida urbana na Índia, disse Sharma. "As pessoas me perguntam: 'Por que você está me incomodando?'", disse ele numa tarde recente, enquanto mandava um jovem se levantar do chão. "Mas eu digo a elas: 'O governo nos deu esta instalação tão legal. Por que você quer estragá-la?'."


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