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Nossos manequins, nós mesmos
CATHY HORYN
ENSAIO
Em 1936, uma garota glamourosa chamada Cynthia se tornou o sucesso de Nova York.
Ela saía com um sujeito chamado Lester, que a levou a todos os lugares próprios
para se exibir na cidade -a ópera, o El Morocco. E, no ano seguinte, ela saiu na
capa da revista "Life".
Cynthia recebia cartas de fãs, mas se alguém enviava uma resposta certamente era
Lester.
Isso porque Cynthia era um manequim, obra de Lester Gaba. A loja Saks Fifth
Avenue tinha encomendado um manequim que parecesse vivo, e Lester, um escultor
em sabão de habilidades ainda desconhecidas (mais tarde ele se tornou colunista
da revista "Women's Wear Daily"), não precisou de muito incentivo.
Em 1953, ele achou que sua mulher oca deveria ter um programa na TV. Gastou US$
10 mil em uma articulação em seu maxilar, para que ela pudesse dizer coisas
inteligentes, e escondeu os fios nas costas de seu vestido Dior. Mas não
adiantou, ele contou alguns anos depois a Gay Talese, no "New York Times".
"Cynthia nunca disse nada sensato", ele afirmou.
Por que isso soa tão familiar? O cabelo de manequim, liso e pesado, e os
sorrisos com batom que anunciam qualquer passeata ou homicídio com o mesmo
interesse gélido são corriqueiros no noticiário televisivo.
Certa noite, algumas semanas atrás, uma amiga que passou dirigindo diante da
Saks olhou e disse: "Me pergunto o que os manequins nos dizem sobre quem somos".
No máximo eles mostram nossa postura e como nos movimentamos; se desejamos ser
altas, flexíveis, atléticas, peitudas, amazonas, e se precisamos tomar cuidado
para não encurvar as costas. Mas, mesmo em seu pior momento -sem cabeça, sem
cor, sem comunicação-, um manequim nos diz algo sobre nós mesmos.
Vinte ou 30 anos atrás, era relativamente fácil descer a Quinta Avenida, em
Manhattan, e ver diferenças nos manequins, não apenas de cor e características
éticas, mas também de atitude e até de emoção, que eram transmitidas pela
novidade das vitrines e, é claro, da moda.
Hoje, porém, com poucas exceções, a grande avenida é uma exibição de recursos
limitados e convicções desgastadas. Ao usar manequins de aparência genérica, as
lojas parecem querer apagar a questão da raça e da identidade étnica.
"Muitas lojas evitam a questão pintando tudo com spray branco brilhante e
eliminando qualquer traço do manequim", disse Michael Steward, vice-presidente-
executivo da Rootstein, firma especializada em manequins realistas.
Do mesmo modo, ele disse, um estilista gasta US$ 50 mil por dia com uma modelo
para uma sessão de fotos de publicidade, mas hesita na opção do manequim, até
dizer finalmente: "Ah, faça-o sem cabeça".
Muitos varejistas preferem manequins abstratos por motivos de estética e custo,
enquanto transferem mais dinheiro do marketing para as vendas on-line e reduzem
as equipes de vitrinistas. "É uma maneira mais fácil de transmitir a mensagem",
disse o diretor da Saks, Richard Fosdick, sobre os abstratos.
Mas, segundo pessoas que trabalham no varejo, os manequins realistas estão
"voltando sorrateiramente", como diz Jonny Hooley, responsável pelas vitrines de
63 lojas da Zara no Reino Unido. Ele explica que os jovens consumidores estão
cansados da mesmice de tudo.
Embora Simon Doonan, diretor de criação da Barneys New York, use manequins
abstratos, ele entende o apelo de uma peruca: "Existe toda uma geração de
vitrinistas que não viveu o período em que o realismo era brega. Hoje é mais
como: 'Vamos fazê-la parecida com Lady Gaga'".
Seria ótimo ver mais vitrines que tenham um sentimento pelo mundo que elas
tentam alcançar. As vitrines costumavam ser palcos para caprichos humanos e
dramas, sobretudo quando o artista Victor Hugo fez um manequim dar à luz nas
vitrines da Halston na Avenida Madison nos anos 1970. Hoje, toda essa energia
acontece apenas na web.
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