São Paulo, segunda-feira, 24 de maio de 2010

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Diretor transporta lutas da Etiópia ao cinema

Por LARRY ROHTER

WASHINGTON - Entre os cursos que Haile Gerima ministra na Universidade Howard, em Washington, D.C., há um chamado "Cinema e Transformação Social". Mas, para Gerima, diretor e roteirista etíope que vive nos EUA desde os anos 1970, no que chama de autoexílio, o tema não é uma simples preocupação acadêmica: é o que o motiva a fazer filmes de temática africana e afro-americana.
Seu trabalho mais recente, "Teza" -o título significa "Orvalho da Manhã" no idioma nativo do diretor, o amárico-, pode ser o filme mais autobiográfico que Gerima fez até hoje.
Ele acompanha a trajetória angustiada de Anberber, um jovem intelectual idealista, desde suas origens em um pequeno povoado até seus anos como estudante de medicina na Europa; seu retorno à Etiópia, onde ele vira vítima da revolução militar marxista que derrubou o imperador Haile Selassie, em 1974, e seu exílio na Alemanha Ocidental, onde se torna vítima de racismo.
"Faço parte de uma geração que desejava genuinamente uma sociedade melhor, que queria fazer algo pelo povo pobre e oprimido, mas que ficou cega, se perdeu e se voltou contra sua própria humanidade, transformando-se no oposto do que queríamos ser", disse Gerima, 64. "Este filme fala de deslocamento, e esse é um tema que realmente me diz respeito."
Às vezes esse sentimento de deslocamento é literal em seus filmes, e às vezes é metafórico. Em "Sankofa" (1993), uma modelo americana negra que faz uma sessão de fotos na África é carregada de volta para o século 18 e a escravidão. Em "Ashes and Embers" (1982), Gerima tratou da desilusão de veteranos afro- americanos que retornaram da Guerra do Vietnã para a pobreza urbana e a ausência de esperança.
Gerima chegou aos EUA em 1967 para estudar na Escola Goodman de Teatro, em Chicago; seus professores do Corpo de Paz na Etiópia, impressionados com seu talento, haviam organizado seu ingresso na escola. Mas ele não estava preparado para a política racial que encontraria nos EUA e, num primeiro momento, sentiu- se alienado tanto dos brancos, cujos jardins cuidava para se sustentar, quanto dos afro-americanos.
"Eu nunca tinha sido desafiado da maneira como são desafiados os afro-americanos nos EUA, e encontrar o racismo frente a frente me chocou a tal ponto que eu tinha hemorragias nasais", disse.
"Mas eu não queria ser um americano negro, não queria me identificar com a situação deles -eu sentia que eles eram escravos, e eu, não. Eu não acreditava que eles tivessem vindo da África; tinha a impressão de que eram uma espécie diferente que tinha nascido das 'plantations'. A distância intelectual era grande demais."
Insatisfeito com os papéis que lhe eram oferecidos como ator -os atores negros "não passavam de postes de luz ou bancos de parque"-, Gerima se transferiu para a Universidade da Califórnia em Los Angeles, onde ganhou um prêmio de atuação e criou vínculos com o movimento de poder negro pan-africano.
Ele passou do teatro para o cinema depois de ser exposto a diretores latino- americanos como Glauber Rocha, Fernando Solanas e Miguel Littín, o que o fez perceber, explicou, que sua história era "tão importante e válida" quanto as que estava acostumado a ver em Hollywood.
Gerima chamou a atenção pública pela primeira vez em meados dos anos 1970 com "Harvest: 3000 Years", sobre uma família camponesa etíope que luta para sobreviver em um sistema feudal. O filme foi rodado no momento em que o governo imperial de Haile Selassie estava ruindo.
Mas esse filme levou ao início dos problemas de Gerima com a junta militar comunista Derg, que assumiu o lugar de Selassie. O regime disse que só permitiria que ele fizesse outro filme em seu país natal se ele aceitasse o que a junta chamava de a "jurisdição" dela sobre o trabalho do cineasta.
"Quando disseram aquilo, eu mal pude esperar para embarcar no avião e sair do país, porque eu sabia que minha liberdade tinha acabado", disse Gerima.
Ele descreve "Teza" como um filme feito com paixão, mas imperfeito. Como foi difícil obter financiamento, o filme levou mais de uma década para ser completado.
"Em 'Teza', Gerima conseguiu captar a luz e a sombra, a majestade plena da paisagem africana, que confere força e beleza tremendas ao filme", disse Françoise Pfaff, colega do diretor na Universidade Howard. "É uma história de deslocamento e perda que encontra ressonância universal."


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