São Paulo, segunda-feira, 24 de novembro de 2008

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Indústria pára, e operários chineses tentam se adaptar à crise

As exportações da China ainda crescem, mas bem menos que antes

Por EDWARD WONG

CHANG’AN, China - Quando Wang Denggui chegou a esta cidade arborizada com palmeiras no sul da China, mais de um ano atrás, tinha um só objetivo: dar duro numa fábrica e ganhar dinheiro o suficiente para pagar a escola dos seus três filhos.
Os planos de Wang e de milhares de colegas dele em uma fábrica de sapatos foram por água abaixo por volta de 12h de 1° de novembro, quando o taiwanês que presidia a empresa pulou um muro da sede para fugir do país e das dívidas. Isso deixou várias marcas americanas de calçados sem suas encomendas e cerca de 2.000 operários sem emprego. “Ele simplesmente saiu correndo sem contar a ninguém”, disse Wang.
Durante décadas, o delta do rio Pérola, no sul da Província de Cantão, foi o principal motor do estonteante crescimento chinês. Mas a desaceleração das exportações desde o começo do ano, agravada pela crise financeira dos últimos meses, contribui com o fechamento de dezenas de milhares de pequenas e médias indústrias em Cantão e em outras regiões costeiras, obrigando os operários a se submeterem a qualquer trabalho ou a voltarem para suas aldeias natais.
Além disso, a desaceleração inibe a capacidade da China em colaborar com outras nações no alívio da crise global.
O delta do Pérola desenvolveu um setor exportador que levou o crescimento econômico chinês à casa dos dois dígitos e gerou milhões de empregos para migrantes de lugares pouco férteis. Mas as circunstâncias se deterioraram rapidamente. Pelo menos 67 mil fábricas foram fechadas na China no primeiro semestre deste ano, segundo as estatísticas oficiais.
Protestos salariais e conflitos trabalhistas se intensificaram, assustando as autoridades locais, que tentam controlar a situação oferecendo benefícios aos operários afetados. Em Chang’an, após um protesto, o governo liberou mais de US$ 1 milhão para que funcionários da fábrica de calçados recebessem os salários devidos.
A atual crise precipitou uma importante mudança na natureza da indústria chinesa: pequenas fábricas, já pressionadas pela valorização do yuan e pelos aumentos dos gastos com mão-de-obra, transporte e matérias-primas, estão fechando suas portas maciçamente.
Isso é especialmente notável nestas localidades em torno da cidade de Dongguan, conhecida pelo seu fornecimento de produtos baratos.
Em breve, fábricas que dependem quase exclusivamente da intensa mão-de-obra de migrantes podem sumir do sul da China, e as empresas estrangeiras devem contratar fábricas similares no Vietnã e em outros países onde os custos são menores.
“Há um dano muito sério sendo feito lá, e acho que vai piorar, porque ainda não vimos o impacto total da desaceleração econômica na Europa”, disse Arthur Kroeber, diretor-gerente da Dragonomics, empresa de consultoria e pesquisa econômica de Pequim. “Acho que no ano que vem veremos o crescimento das exportações no país como um todo cair a 0%.”
O setor exportador ainda cresce, mas se desacelerou consideravelmente; o crescimento anualizado em outubro foi de 9%, bem abaixo dos 26% de setembro de 2007, segundo Kroeber.
As demissões em massa levaram neste ano a uma profunda mudança no deslocamento de migrantes como Wang, que passam praticamente o ano inteiro trabalhando fora de casa. Muitos anteciparam a viagem do Ano Novo Chinês, no final de janeiro, e dizem que talvez não regressem mais para procurar emprego no litoral.
Uma vez no interior, os trabalhadores terão menos incentivos do que antes para voltar às Províncias costeiras. O aumento nos preços dos grãos tornou a produção rural mais rentável. O governo recentemente anunciou uma reforma fundiária que deve estimular alguns agricultores a permanecer em suas terras e usá-las melhor.
Os problemas sociais resultantes da crise econômica geram ansiedade na cúpula do Partido Comunista, cuja legitimidade se baseia na manutenção do crescimento. O primeiro-ministro Wen Jiabao promove políticas destinadas a aumentar o consumo interno, reduzindo a dependência das exportações. Recentemente, o governo divulgou um pacote de US$ 586 bilhões para estimular a criação de empregos nos próximos dois anos. Governos estrangeiros que esperem da China uma liderança no combate à crise global vão se frustrar, segundo analistas e acadêmicos. Autoridades chinesas se dizem concentradas em aliviar os problemas internos e manter a taxa de crescimento anual acima de 8%.
Alguns analistas acreditam que o crescimento pode cair para até 5,8% no quarto trimestre de 2008, depois de atingir cerca de 11% em 2007.
“Acho que a China prevê que irá precisar gastar muito dinheiro para sair da atual situação doméstica”, disse Victor Shih, professor-assistente de ciência política na Universidade Northwestern, nos Estados Unidos. “Com relação à crise financeira global, a China não assumirá um papel de liderança.”

Colaboraram Keith Bradsher (Cantão), Jimmy Wang (Chang’an) e Huang Yuanxi (pesquisa)



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