São Paulo, segunda-feira, 24 de novembro de 2008

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TENDÊNCIAS MUNDIAIS

Como as indústrias sobrevivem ao seu fim

CATHERINE RAMPELL

Para alguns setores, a retração econômica atual é problemática. Mas para aqueles já ameaçados, como o setor dos jornais e o das montadoras de veículos americanas, ela pode acelerar seu fim.
No entanto, a história oferece algumas razões para otimismo. Indústrias como a da manufatura de bicicletas, quando se viram diante da ameaça da obsolescência, conseguiram reinventar-se criativamente. Que lições elas têm a oferecer aos setores que passam por dificuldades hoje?
Não existe uma rota clara para escapar da morte industrial. As empresas que conseguiram sobreviver aos desafios tecnológicos têm em comum uma combinação de perseverança, criatividade, versatilidade e boa sorte. As estratégias exatas variam. Algumas fizeram modificações abrangentes e abandonaram completamente seus produtos de origem; outras mudaram apenas seu marketing.
Tome-se o caso, por exemplo, de alguns artigos de luxo. Já existem artefatos para escrever mais fáceis de usar que canetas-tinteiro, cronômetros mais confiáveis do que os relógios de pulso mecânicos e maneiras mais eficientes de aquecer casas do que as lareiras. Mas muitos consumidores ainda optam pelo valor cultural dos produtos mais primitivos.
Essas tecnologias mais antigas sobreviveram por reposicionar-se como luxos e promover seu apelo sensorial, estético e nostálgico.
A popularidade dos jornais no dia seguinte à eleição de Barack Obama —quando foram valorizados mais como artefatos históricos do que como fontes de notícias— refletiu essa realidade.
Mas jornais não foram criados para oferecer durabilidade e prazer tátil a seus leitores. “Os jornais sempre foram folhas que sujavam as mãos e que se deterioravam em poucas horas”, observou Gregory Clark, historiador da Universidade da Califórnia em Davis. Por essa razão, disse ele, é difícil imaginar que jornais possam se reposicionar como produtos de luxo.
Talvez existam outras características singulares dos jornais que possam ser exploradas, assim como fizeram indústrias criativas anteriores quando se viram confrontadas com tecnologias que ameaçam sua continuidade.
Um exemplo: a fotografia poderia ter eliminado a pintura, especialmente de retratos, porque os pintores sabiam que não podiam competir com a rapidez e precisão da foto. Em vez disso, muitos artistas passaram a criar imagens mais abstratas e menos figurativas.
Do mesmo modo, a TV poderia ter tomado o lugar do cinema. Mas Hollywood passou a fazer filmes maiores, mais espetaculares, mais arriscados —o tipo de coisa que a televisão não poderia fazer.
Outras indústrias encontraram novas bases de consumidores. As bicicletas, por exemplo, tiveram seu auge no final do século 19 e após a Primeira Guerra Mundial. Então perderam popularidade, mas foram redescobertas na década de 1970, quando muitos passaram a se interessar pelo exercício físico e por meios de transporte que não consumissem gasolina nem prejudicassem o meio ambiente.
O rádio é um exemplo ainda melhor. Em sua época áurea, nos anos 1940, era a base do entretenimento, até que a TV começou a roubar suas maiores estrelas e seus anunciantes. Mas o rádio se revitalizou. Primeiro encontrou o mercado da música para jovens, centrado nos rádios de carros. Em seguida, os inovadores localizaram mercados pouco atendidos, como os movimentos musicais underground, os programas noticiosos longos e os programas de entrevistas. Também mudou seu modelo econômico: para pagar por sua nova programação, a mídia cortejou novos anunciantes de nicho, em lugar dos anunciantes de alcance nacional.
Para algumas empresas, um nicho de marketing não era o bastante. Elas fizeram transições radicais para novos produtos e novas indústrias e sobreviveram não pela preservação, mas pela evolução. “Boa parte da história do ‘sistema manufatureiro americano’ é a história de inventores que passaram de uma indústria em decadência a outra nova e em expansão”, diz Petra Moser, historiadora econômica na Universidade Stanford.
Os fabricantes de armas aprenderam a produzir revólveres com peças intercambiáveis na metade do século 19, diz Moser. Então, quando a demanda por armas diminuiu, essas empresas (e alguns de seus ex-funcionários que se lançaram por conta própria) aplicaram essas técnicas às máquinas de costura. Mais tarde, os fabricantes de máquinas de costura começaram a produzir máquinas para marcenaria, bicicletas, carros e, finalmente, caminhões.
Algumas empresas famosas seguiram rumos mais improváveis, ou porque seus negócios originais estavam desaparecendo ou porque enxergaram oportunidades melhores em outros setores. Antes dos celulares, a Nokia fabricava papel. Antes de fazer carros, a Toyota fabricava teares (e ainda existe uma empresa têxtil Toyota).
Elas sobreviveram porque perceberam mudanças no mercado. Novas necessidades de consumo surgiram, e empresas inteligentes tentaram satisfazê-las. “É preciso estar disposto a afastar-se daquilo que lhe permitiu crescer”, explica Scott D. Anthony, presidente da consultora Innosight.
Infelizmente para os jornais, dizem historiadores, os sobreviventes em indústrias anteriores que se viram diante de grandes desafios tecnológicos geralmente foram empresas individuais que se adaptaram, e não setores industriais inteiros. Assim, é possível que ainda haja grandes mudanças por vir.

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