São Paulo, segunda-feira, 25 de maio de 2009

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Tática energética russa fracassa com a queda dos preços

Por ANDREW E. KRAMER
Moscou

Enquanto o mercado de energia encolhe, estão fracassando as táticas que o Kremlin usou para transformar a gigante companhia energética Gazprom -cujos lucros estão em queda- em uma potência econômica e política temível capaz de restaurar a influência russa no mundo.
Durante seus oito anos na Presidência da Rússia, Vladimir Putin perseguiu a meta estratégica de dominar o fornecimento de gás natural à Europa e os gasodutos que o distribuem. Seu sucesso foi salientado em janeiro, quando, pela segunda vez em três anos, uma disputa por preços com a Ucrânia interrompeu o fluxo de gás, deixando centenas de milhares de pessoas na Europa Oriental tremendo de frio durante o inverno congelante.
Mas, em seu zelo para monopolizar o suprimento de gás, Putin, hoje premiê da Rússia, envolveu a Gazprom em contratos de longo prazo com países da Ásia Central, por um gás muito mais caro que os atuais preços mundiais. Agora que a crise econômica mundial reduziu acentuadamente a demanda por gás, a Gazprom está com grande excedente de um produto caro, que é obrigada a vender com prejuízo.
Em uma inversão dolorosa, a companhia também se vê obrigada a fechar seus poços na Rússia, que produzem gás por uma fração do preço do da Ásia Central, para equilibrar seus suprimentos com a queda da demanda mundial. De fato, uma estratégia que tinha sentido econômico e político em um momento de preços altos e aparentemente sempre em ascensão ameaça gerar anos de prejuízos e queda de influência, se os preços da energia não se recuperarem.
"É uma inversão extraordinária do que todo mundo esperava", disse Jonathan Stern, diretor de pesquisa de gás natural no Instituto de Estudos Energéticos de Oxford, Reino Unido. A demanda pelo gás natural da Gazprom vai despencar cerca de 60 bilhões de metros cúbicos este ano, segundo Stern -aproximadamente o mesmo valor que a empresa é obrigada por contrato a importar dos ex-países soviéticos.
A reviravolta para a Gazprom foi tão rápida quanto devastadora para o modelo empresarial da empresa. Ainda em setembro passado, Putin, como primeiro-ministro, voou para Tachkent, no Uzbequistão, para fechar um acordo que consolidou os ganhos estratégicos da Rússia depois da guerra na Geórgia.
Sob o acordo, que a agência de notícias russa RIA descreveu como válido até 2028, a Gazprom pagará US$ 340 por mil metros cúbicos de gás em 2009. Mas o mesmo volume de gás é vendido na Ucrânia por cerca de US$ 230, enquanto os preços na Europa caíram para uma média esperada de US$ 280 para este ano.
Em uma declaração por escrito, a Gazprom reconheceu que perdeu dinheiro com os contratos na Ásia Central neste ano, mas disse que eles serão valiosos quando a demanda se recuperar.
"Os contratos da Gazprom com seus parceiros da Ásia Central estão concluídos por muitos anos no futuro", segundo a declaração. "A crise econômica mundial, sem dúvida, está influenciando negativamente a demanda por energia. Em longo prazo, porém, a demanda por gás na Rússia e no exterior vai crescer."
O declínio das fortunas está criando tensões incomuns na Gazprom, que surgiu no cenário mundial durante o boom energético e passou a simbolizar o novo poder e a arrogância da Rússia sob a liderança de Putin. Os investidores, na verdade, antes consideravam os estreitos laços entre a Gazprom e o Kremlin bons para os negócios. Por exemplo, quando a empresa subiu os preços na Ucrânia depois dos protestos de rua conhecidos como Revolução Laranja, a medida apoiou a meta de política externa russa de pressionar um governo pró-ocidental em sua fronteira sul.
Hoje, as metas políticas dos negócios da Gazprom na antiga União Soviética vão custar caro à companhia. Recentemente, a União Europeia assinou um acordo com o Azerbaijão, a Geórgia, a Turquia e o Egito que poderá reviver o muito adiado oleoduto Nabucco, que deveria romper o monopólio da Rússia no suprimento de energia na bacia do Cáspio. Isso foi uma reversão e tanto para o Azerbaijão, que, depois da guerra na Geórgia, no ano passado, tinha oferecido à Gazprom toda a sua futura produção de gás de um empreendimento em alto-mar.
A Gazprom teve em 2008 lucros de US$ 30,8 bilhões sobre receita de US$ 160,5 bilhões, segundo resultados divulgados neste mês. Neste ano, o Troika Dialog, banco de investimentos de Moscou, estimou que os lucros da Gazprom vão cair para US$ 16,7 bilhões, sobre receita de US$ 104 bilhões.
Como maior pagador de impostos do país, a Gazprom contribuiu com US$ 40 bilhões aos cofres do Estado no ano passado, incluindo tarifas de exportação, impostos sobre lucro e extração mineral. Neste ano, estimam analistas financeiros, esses pagamentos vão cair quase pela metade, para cerca de US$ 22,5 bilhões.
A Gazprom orçou gastos de capital em 2009 de US$ 37,46 bilhões e ainda pretende gastar US$ 44,8 bilhões em 2010, mesmo que sua receita diminua. Se mantiver esses planos de gastos, porém, ela terá um fluxo de caixa negativo em 2010, disse Alex Fak, analista de gás e petróleo da Troika, e será obrigada a pedir empréstimos. "Ou o preço do óleo terá de aumentar, ou ele não vai acontecer", disse Fak sobre o programa de desenvolvimento.


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