São Paulo, segunda-feira, 25 de maio de 2009

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inteligência/ROGER COHEN

O peso opressor do passado

Ho Chi Minh

Quem chega ao Vietnã vindo do Oriente Médio, onde as desavenças históricas são alimentadas ao longo de séculos, sente uma mudança espantosa nas atitudes em relação ao tempo. Aqui o impulso de olhar para frente supera qualquer desejo de olhar para o passado com ressentimento.
Apenas 34 anos se passaram desde o término da guerra dos EUA no Vietnã. O conflito deixou mais de 3 milhões de mortos vietnamitas; mais de 58 mil soldados americanos morreram. No entanto, as relações entre os dois países hoje são boas.
O Vietnã andou para frente. O passado é outro país. Os vietnamitas estão menos interessados em julgar o passado que em garantir vagas para seus filhos em universidades americanas. Sem dúvida o país achou mais fácil deixar suas feridas para trás pelo fato de ter saído da guerra vencedor. Mesmo assim, sua capacidade de destacar o potencial do amanhã, em vez do sofrimento de ontem, é espantosa.
No Oriente Médio, as feridas históricas frequentemente parecem ser insuperáveis. Batalhas travadas há séculos formam tapeçarias míticas vívidas a partir das quais se encontram novas justificativas para a busca de vingança. Os mortos dão a impressão de ter mais poder que os vivos.
Quando cobri os conflitos nos Balcãs da década de 1990, fiquei tão farto da maneira como a condição de vítima era alimentada ali para justificar a violência que, quando a guerra terminou, em 1995, eu mal aguentava ouvir os relatos feitos por algum sérvio da batalha de Kosovo de 1448.
Mas mesmo a memória dos Bálcãs, um poço sem fundo, é pouca em comparação com o Oriente Médio, onde um pomar perdido por um palestino em 1948 é mais resplandecente na cabeça de seus netos do que jamais foi na realidade.
Israelenses e palestinos competem para determinar quem é mais vítima, enquanto o passado os domina com seu peso implacável. Quando se menciona o Holocausto, os palestinos respondem citando a "Nakba", ou Catástrofe, de 1948 -como descrevem a criação do Estado moderno de Israel, em meio a sangue derramado. Por isso, quando estou na Ásia, às vezes sonho em fabricar uma "pílula do futuro" que destilasse a capacidade de progresso desta região em um comprimido que os líderes do Oriente Médio seriam obrigados a ingerir diariamente.
Sei que alguns ressentimentos históricos continuam vivos no Vietnã -entre eles, o dos chineses contra os japoneses, pelos crimes cometidos durante a Segunda Guerra Mundial-, mas, mesmo quando persistem sentimentos negativos, eles são administrados. Basta ver como a China e a Índia vêm desenvolvendo suas relações, apesar de disputas de fronteira.
Que ingredientes fariam parte dessa pequena pílula? Não sei o suficiente sobre as grandes religiões orientais para distinguir os elementos que favorecem a atenção serene ao presente em lugar da retrospecção amarga, mas sinto esse poder nas pessoas. Haveria um pouco disso, e também um pouco de pragmatismo essencial.
Foi o pragmatismo que permitiu os grandes avanços americanos nas relações internacionais -com a China, na década de 1970, e com o Vietnã, 20 anos mais tarde. Os sistemas unipartidários desses dois países estão muito distantes da democracia jeffersoniana, mas esse fato não tem sido obstáculo às relações frutíferas.
O restabelecimento das relações sino-americanas transformou o mundo. O Vietnã é uma história de sucesso. Se o governo Obama quiser romper com o domínio do passado sobre o Oriente Médio, terá que levar à região um pragmatismo rigoroso e um pouco do espírito de Xangai e Hanói. E os países asiáticos deveriam transmitir suas lições com nova ousadia.

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