São Paulo, segunda-feira, 25 de julho de 2011

Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros

Da Primavera Árabe ao futuro tecnológico

Por HANNAH SELIGSON

Como tantos outros jovens do Cairo, Yasmine el Mehairy, 30, não via futuro no Egito. Então veio a praça Tahrir (Libertação).
Seis meses depois da rebelião liderada por pessoas como ela, que derrubou o ditador Hosni Mubarak e a ordem estabelecida no mundo árabe, Mehairy uniu-se às fileiras da mais nova classe empresarial do Egito: os empresários da Primavera Árabe.
Em vez de deixar o país como havia planejado, ela vai ficar para cuidar de uma nova empresa chamada "SuperMama", um site da web em língua árabe para mulheres, que já tem dez funcionários locais.
"A revolução realmente fez minha geração acreditar em si mesma", diz Mehairy, 30. Se os egípcios podem derrubar Mubarak, ela se pergunta, o que mais poderiam realizar?
É uma pergunta séria para egípcios ricos e educados como Mehairy -pessoas que, diferente da maioria da população, têm outras opções. Ela tem um mestrado em mídia interativa pela Universidade de Westminster, em Londres, e pretendia se mudar para o Reino Unido ou o Canadá.
Depois de anos de corrupção, a economia egípcia está caótica. O turismo e o investimento despencaram. O desemprego em massa se agravou e os protestos continuam. O país vai eleger um novo governo em setembro.
Mas, apesar de todas as incertezas, alguns dos que adotaram o Facebook e o Twitter durante os dias de entusiasmo da praça Tahrir hoje tentam começar ou continuar trabalhando em sites da web e aplicativos que eles esperam que produzam lucros e empregos.
"Esta é uma revolução incomum porque foi liderada por um grupo de pessoas muito educadas e bem situadas economicamente, que olham para o futuro", diz Khush Choksy, diretor-executivo do Conselho Empresarial Estados Unidos-Egito. "Mas para garantir o que elas realmente procuravam na praça Tahrir é preciso haver crescimento econômico, pensamento moderno e uma economia diversificada."
Mehairy quer aproveitar o momento. Em junho, ela e Zeinab Samir, 29, cofundadora do "SuperMama", se inscreveram para um programa de treinamento patrocinado pelo Programa de Empreendedorismo Global, do governo americano, e pelos governos dinamarquês e egípcio.
Durante um seminário de cinco dias, seis empresários americanos ajudaram 38 empreendedores egípcios a desenvolver seus planos empresariais. No último dia, quatro vencedores foram escolhidos. Dois irão para uma residência de três semanas na iContact, um site de marketing da Carolina do Norte, e duas, Mehairy e Samir, vão participar de um programa de treinamento de três meses na Dinamarca. A maioria dos empresários do programa é bem educada, tem empregos e vem de famílias de classe média e alta. Mas eles ainda enfrentam muita incerteza.
"Todo mundo está preocupado com o que vai acontecer agora", disse Marwan Roushdy, 20, um estudante da Universidade Americana do Cairo que está desenvolvendo um aplicativo chamado Inkezny, para localizar hospitais em todo o mundo (o nome significa "Salve-me" em árabe).
No Egito, disse ele, "mesmo que você ligue o número de emergência, 123, nem sempre é garantido que uma ambulância virá".
Roushdy, que ganhou uma residência na iContact, está tentando afastar suas preocupações.
Eventualmente, esses jovens empresários terão de superar os obstáculos burocráticos de registrar suas empresas com o governo egípcio, um passo notoriamente difícil. "A burocracia é um pesadelo", disse Mehairy. "E no passado, antes da revolução, era preciso subornar." Mas, ela também ouviu histórias encorajadoras. "Meu amigo registrou sua empresa em um dia e meio porque a pessoa que cuidou disso estava 'abastecida pelos valores da revolução', como dizemos."
Mohamed Rafea, 30, e seu primo Ali Rafea, 23, também estão otimistas. Com outros três jovens parentes eles fundaram o Bey2ollak, um aplicativo que permite que os usuários enviem avisos sobre o trânsito.
"Não precisamos do apoio de nada, exceto uma boa corrente elétrica, em oposição a fabricar produtos ou abrir uma loja. Esses tipos de negócios precisam do apoio do governo", desse Ali.
Em uma cidade onde os trajetos no trânsito congestionado podem levar mais de duas horas, seu aplicativo encontrou um público instantâneo. Em julho tinham mais de 50 mil assinantes e uma parceria com a Vodafone, uma das maiores operadoras de telefonia celular no Egito. O objetivo do Programa de Empreendedorismo Global é criar empregos, segundo seu criador, o consultor do Departamento de Estado dos EUA, Steven Koltai. "Os empregos são a principal base da sociedade civil e do crescimento econômico, e isso é verdade quer você esteja em Ohio ou no Egito. E o maior propulsor do crescimento de empregos é o empreendedorismo."
No Egito, o desemprego entre jovens, que ainda alcança dois dígitos, é um problema maior para os que não têm diploma universitário, e foi uma das forças subjacentes que levaram à revolução.
Mas já há histórias de sucesso envolvendo empresas de internet. Em janeiro, por meio de uma delegação organizada pelo Programa de Empreendedorismo Global, um grupo de investidores e empresários se reuniu com empresários egípcios no Cairo.
Durante a visita, organizações como a Câmara de Comércio, a Universidade Americana do Cairo e a Sawari Ventures, uma firma local de capital de risco, realizaram um concurso de planos empresariais que deu US$ 20 mil para duas empresas.
Uma das vencedoras foi a Kngine (um site de buscas) criada por dois irmãos, Ashraf el-Fadeel, 30, e Haytham el-Fadeel, 23.
O concurso ajudou a convencer Ahmed el Alfi, o fundador da Sawari, a financiar a Kngine.
"O fato de ter oito pessoas de fora examinando a empresa e de eles terem vencido ajudou na minha decisão", disse Alfi. Hoje a Kngine tem 12 empregados.
A companhia recentemente se reuniu com vários investidores no Vale do Silício, nos EUA. Para os investidores é uma oportunidade de entrar cedo em um mercado de internet muito menos saturado, porque só um terço dos egípcios usam a rede em casa, segundo o Ministério da Informação e Tecnologia.
Na "SuperMama", Mehairy e Samir, 29, que financiaram seu empreendimento com economias pessoais, estão se posicionado para ser um dos primeiros sites da web em árabe enfocado nas mães. Elas esperam capitalizar o fato de que as mulheres formam quase a metade dos usuários da Internet no Egito.
A esperança é de que com pouco dinheiro e muito trabalho o Egito possa alavancar sua enorme população jovem -mais da metade tem menos de 29 anos- e uma forte reserva de talento técnico. Os baixos custos de abrir uma empresa na internet poderão transformar o Egito em um dos pontos quentes do empreendedorismo na região.
"[Os empresários egípcios] estão criando empresas e produtos que podem ser muito importantes. Eu investiria 30, 40 ou 50 mil dólares nesses jovens empresários e empreendedores", disse Ryan Allis, da iContact.
No final do seminário, os seis empresários americanos e um membro da delegação dinamarquesa decidiram criar um fundo de US$ 125 mil com seu próprio dinheiro para investir em empresas tecnológicas egípcias.


Próximo Texto: Lente: Cientistas criam teorias sobre a atração sexual
Índice | Comunicar Erros



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.