São Paulo, segunda-feira, 25 de julho de 2011

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NOVA YORK

Imigrantes se inspiram no noticiário para obter asilo nos EUA

Juízes de imigração usam intuição para detectar fraudes

Por SAM DOLNICK

O advogado apanhado no grampo pedia que seu cliente imigrante inventasse um passado trágico se quisesse conseguir asilo nos Estados Unidos. Dizer que fora vítima da repressão política na Albânia ou da brutalidade policial, ou mesmo de uma ameaça de morte.
"Talvez você tivesse de partir porque alguém prometeu matá-lo", disse o advogado. "Por causa de alguma coisa que seu pai fez para alguém, ou algo a ver com a terra. Você entende? Essa pode ser uma maneira de conseguir asilo", afirmou.
Muitas vezes é. Uma indústria dedicada a fraudes de asilo prospera em Nova York, onde um grande número de pedidos de asilo é encaminhado, enquanto imigrantes fazem relatos pessoais tirados das manchetes internacionais.
A revelação de que a camareira da África Ocidental que acusou Dominique Strauss-Kahn de ataque sexual aparentemente mentiu em seu pedido de asilo voltou a chamar atenção para esses esquemas. Strauss-Kahn se demitiu como diretor-gerente do Fundo Monetário Internacional por causa da acusação.
As histórias enfeitadas são adaptadas do noticiário do dia, refletindo o turbilhão ao redor do mundo, dizem advogados. As africanas-ocidentais alegam mutilação genital ou ferimentos causados pela violência política. Imigrantes dos países balcânicos afirmam temer a limpeza étnica.
Os chineses invocam a política de filho único ou a perseguição aos cristãos. Os venezuelanos citam sua oposição ao partido dominante. Os russos descrevem ataques contra gays. Iraquianos e afegãos citam o temor da retaliação por extremistas islâmicos.
Milhares dessas alegações são legítimas. Mas cada cataclismo fornece material conveniente para emigrantes desesperados para se estabelecer nos EUA por outros motivos, obrigando as autoridades a tomar decisões importantes com base no "comportamento, educação ou delicadeza" do requerente.
"Quando há um problema em qualquer lugar, uma chacina horrível na Somália ou seja onde for, nos primeiros anos esses casos são muito reais", disse Andrew Johnson, um advogado de imigração em Manhattan. "Depois, nos próximos quatro ou cinco anos, eles apenas copiam essas histórias."
Não há dados confiáveis sobre a abrangência dos esquemas de asilo, mas autoridades policiais dizem que estão entre as fraudes de imigração mais comuns, e as mais difíceis de detectar e investigar.
A camareira do caso Strauss-Kahn disse em seu pedido de asilo em 2004 que foi estuprada por vários homens e que soldados destruíram sua casa, espancando a ela e seu marido, o qual morreu na prisão. Recentemente ela disse aos promotores que mentiu.
Outro imigrante, Amadou Diallo, o vendedor de rua da Guiné que levou 41 tiros da polícia de Nova York em 1999, vinha de uma família estável. Mas ele disse às autoridades de imigração que era da Mauritânia e que seus pais tinham sido mortos no conflito daquele país. Não era verdade, mas ele conseguiu o asilo. O esquema foi revelado depois de sua morte.
Todo bairro de imigrantes tem empresas que orientam os recém-chegados -muitos deles ilegalmente- no complicado processo de conseguir uma situação legalizada. Às vezes isso significa reivindicar asilo no tribunal de imigração, uma das várias maneiras de obtê-lo.
Algumas delas dão emprego para advogados legítimos. Muitas não. Nos bairros hispânicos, elas podem incluir "tabeliães" que cuidam de tudo, desde transferências de dinheiro a pedidos de asilo. Em Chinatown, grupos de escritórios de advocacia oferecem aconselhamento duvidoso.
No Harlem, uma loja fornece serviços como remessas para a África Ocidental, seguro de viagem, ajuda na tradução, assistência fiscal e ajuda para imigração.
"Muitas vezes o solicitante é enganado por vários atores com uma história que é muito mais atraente", disse Claudia Slovinsky, uma antiga advogada de imigração. "Não eram soldados? Não foi um estupro coletivo?"
Quer estejam no país legal ou ilegalmente, os imigrantes podem pedir asilo até um ano após sua chegada.
Para qualificar-se, devem demonstrar um medo bem fundamentado de perseguição por causa de raça, religião, nacionalidade, opinião política ou afiliação a um determinado grupo social -que pode ser de gays ou mulheres abusadas.
Os tribunais de imigração nos EUA concederam 51% dos pedidos de asilo no ano passado, segundo estatísticas do governo. Esses tribunais na cidade de Nova York, que ouviram mais casos do que em qualquer outra cidade, aprovaram 76% -um dos índices mais altos do país.
Com poucas evidências sólidas, os juízes às vezes têm de decidir com base na intuição.
"Um verdadeiro refugiado não traz um bilhete de seu ditador", disse a juíza Dana Marks, presidente da Associação Nacional de Juízes de Imigração, parafraseando um aforismo legal.
Ela disse que muitos juízes erram por excesso de zelo. "O erro de conceder um asilo fraudulento é muito menos desastroso do que negar um verdadeiro", disse.


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