São Paulo, segunda-feira, 26 de abril de 2010

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Redutos da pólio finalmente caem

Globalmente, houve redução de 75% na doença paralisante

Por CELIA W. DUGGER
JOHANNESBURGO - Uma década depois do prazo mundial original para erradicar a poliomielite, os bastiões mais tenazes do vírus paralisante -Nigéria e Índia- recentemente mostraram um progresso notável na contenção de sua disseminação.
Na Nigéria, líderes muçulmanos no norte -que haviam permitido que a doença se espalhasse ao deter as vacinações contra pólio em 2003-4, com base em rumores de que a vacina fazia parte de um complô ocidental para esterilizar meninas muçulmanas ou disseminar o vírus da Aids- hoje adotam a causa. Até agora neste ano, somente duas crianças foram paralisadas pelo poliovírus selvagem na Nigéria, em comparação com 123 no mesmo período do ano passado, segundo autoridades de saúde nigerianas e internacionais.
E, na Índia, os Estados de Uttar Pradesh e Bihar pela primeira vez não tiveram um único caso causado pelo vírus mais virulento da pólio durante quatro meses seguidos, disseram membros da Organização Mundial da Saúde (OMS).
Em nível global, o número de novos casos de pólio registrados até agora neste ano caiu para 56 -redução de 75% em relação ao mesmo período de 2009, segundo a OMS. "Nunca tivemos tantas coisas positivas em tantas áreas", disse Bruce Aylward, diretor da iniciativa para a erradicação da pólio na OMS.
Stephen L. Cochi, do Centro para Controle e Prevenção de Doenças dos EUA, disse: "Um declínio de 75% em um ano é realmente notável e sugere que podemos estar mudando de direção".
Os dois advertiram, porém, que progressos esperançosos podem se reverter, como já aconteceu, e nenhum deles acha que a pólio possa ser eliminada antes de 2012.
Desde que a iniciativa para a erradicação da pólio começou, há 22 anos, mais de 10 bilhões de doses da vacina foram distribuídas e se gastaram cerca de US$ 8,2 bilhões. Milhões de casos de paralisia e morte foram evitados pelas campanhas de vacinação, que reduziram a incidência de pólio em mais de 99%. O apoio político na Nigéria e o progresso na Índia são dois fatos animadores.
Autoridades de saúde internacionais atribuem grande parte do progresso na Nigéria à liderança de Muhammad Ali Pate, muçulmano criado no norte do país e recrutado em 2008 pelo Banco Mundial para liderar a agência que administra o atendimento de saúde básico e a imunização contra a pólio.
Pate cultivou uma série de líderes políticos, religiosos e tradicionais no norte. Ele também cortejou o apoio político dos poderosos governadores estaduais, mobilizando Bill Gates o, fundador da Microsoft, cuja fundação aplicou globalmente mais de US$ 700 milhões no combate à pólio, para encontrá-los quando ele visitou a Nigéria, em fevereiro de 2009. "Podemos usá-lo e sua posição de celebridade para atrair atenção para a causa e fazer os governadores aderirem", disse Pate.
Mas talvez o fator mais crítico tenha sido o apoio dos líderes tradicionais do norte da Nigéria. Naveed Sadozai, autoridade médica da OMS, disse que essas estruturas tradicionais atuam nos níveis de aldeia e ambulatórios, muitas vezes são mais confiáveis que os políticos e podem produzir resultados. No fim do ano, os casos de pólio haviam despencado. Somente 28 dos 388 novos casos da Nigéria em 2009 ocorreram nos últimos seis meses do ano, disse Pate.
Na Índia, pesquisadores perceberam que a variedade mais resistente do vírus da pólio se escondia em uma vasta planície aluvial alimentada pelo rio Kosi, em Bihar. Depois das chuvas das monções, quando as águas baixavam, as pessoas iam plantar na terra fértil. Mas não havia estradas nessa área inacessível -e as campanhas de vacinação não atingiam grande número de crianças.
Hamid Jafari, que dirige a iniciativa antipólio da OMS na Índia, disse que o país montou uma complexa operação para alcançar as famílias em mais de 200 mil núcleos de casas de barro. Os funcionários levavam sacos de dormir, água, colete salva-vidas e mosquiteiros contra malária. Eles atravessavam a planície enlameada a pé, de barco e em motocicletas.
A iniciativa antipólio também visou as favelas e cortiços onde vivem imigrantes, para vacinar filhos de operários, trabalhadores agrícolas e outras pessoas pobres que viajaram às grandes metrópoles e às ricas áreas agrícolas da Índia em busca de empregos.
Aylward, diretor da iniciativa da OMS, se diz ao mesmo tempo entusiasmado e frustrado. A iniciativa recuperou parte de seu ímpeto perdido, mas está US$ 1,4 bilhões aquém dos US$ 2,6 bilhões que, segundo seus organizadores, são necessários para terminar o trabalho até 2012. "Eu passo o mesmo tempo nas capitais dos doadores que nos países infectados", disse. "Estamos cortando caminhos e assumindo riscos que não deveríamos estar."


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