São Paulo, segunda-feira, 26 de julho de 2010

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TENDÊNCIAS MUNDIAIS

No Paquistão, elite isenta-se de impostos


Desigualdade de riqueza alimenta revolta crescente

Por SABRINA TAVERNISE

ISLAMABAD, Paquistão - Na maior parte da capital do Paquistão, veículos esportivos-utilitários passam por portões reforçados de residências elegantes com vários andares, que são cuidadas por criados. A roupa lavada nunca é pendurada do lado de fora para secar.
Mas, por trás da opulência, espreita um fato perturbador. Muito poucas dessas famílias pagam Imposto de Renda. Isso ocorre principalmente porque os políticos que fazem as regras também são os cidadãos mais ricos do país e são tarimbados em encontrar maneiras de se isentar.
"É um país muito bom para o homem rico", disse Shabbar Zaidi, sócio da firma de contabilidade A.F. Ferguson & Company, em Karachi. "Motoristas, empregados, casas grandes. A pergunta é: quem está pagando? O homem comum."
Isso seria um problema em qualquer país. Mas, no Paquistão, a falta de um sistema fiscal eficaz alimenta algo mais ameaçador: uma crescente desigualdade na sociedade paquistanesa, onde a riqueza de seus membros mais poderosos nunca é redistribuída ou aplicada em algo que reverta ao bem comum. Isso cria condições que ajudam a disseminar a insurgência que atormenta o país e complica a política americana na região.
Também é um triste desempenho para um país que está entre os maiores receptores de ajuda americana, pagamentos de bilhões de dólares que sustentam as finanças do país e deveriam ajudar seus líderes a combater a rebelião.
Embora as autoridades tenham tentado expandir a rede nos últimos anos, taxando os lucros dos mercados de ações e imóveis, setores inteiros da economia continuam isentos, como a agricultura, um grande gerador de dinheiro para a elite.
"Este é um sistema da elite, pela elite e para a elite", diz Riyaz Hussain Naqvi, autoridade aposentada que trabalhou na coleta de impostos durante 38 anos. "É um sistema corrupto em que o homem pobre subsidia o rico."
O custo médio dos parlamentares paquistaneses é de US$ 900 mil, com os deputados mais ricos superando US$ 37 milhões, segundo estudo de dezembro do Instituto Paquistanês de Desenvolvimento Legislativo e Transparência.
Enquanto a receita fiscal do Paquistão em 2009 foi a menor da história do país, segundo Zafar ul-Majeed, diretor da Câmara Federal de Receita, os ativos dos atuais deputados quase duplicaram em relação aos dos membros do Parlamento anterior, revelou o estudo.
"Os impostos são o calcanhar-de-aquiles dos políticos paquistaneses", disse Jahangir Tareen, empresário e deputado que tenta colocar os impostos na agenda pública. Ele pagou US$ 225,5 mil em IR em 2009, número que divulgou no Parlamento no mês passado. "Se você não tem renda, está bem, mas depois não apareça dirigindo um Land Cruiser."
As regras definem que qualquer pessoa que ganhar mais de US$ 3.488 por ano deve pagar IR, mas poucas o fazem. Tareen disse que, quando ele tentou pagar pela primeira vez, os coletores se recusaram a aceitar, por não querer perturbar o status quo. Ele teve de escrever uma carta a uma autoridade superior para que fosse aceito.
Akbar Zaidi, economista baseado em Karachi, estima que 10 milhões de paquistaneses deveriam pagar Imposto de Renda, mas só 2,5 milhões estão registrados.
Zaidi culpa os EUA e suas constantes ajudas ao Paquistão. "Os americanos deveriam dizer: 'Basta. Resolvam a coisa vocês mesmos. Ponham sua casa em ordem primeiro'", afirmou. "Mas vocês [EUA} são covardes. Têm medo de aproveitar essa oportunidade."
Os coletores de impostos tentam ser duros. Quando Naqvi chefiou a autoridade fiscal, ele tentou realizar uma ampla auditoria, provocando uivos de protesto.
Majeed disse que seus coletores hoje usam as contas individuais de eletricidade para localizar os evasores ricos, supondo que contas altas significam o uso de ar condicionado, o que representa riqueza. Eles recentemente emitiram centenas de avisos para casas ricas em Islamabad. Mas perseguir os políticos é complicado, disse Majeed. "Pelo menos enquanto eles estão no poder", agregou, sorrindo.
Sem vontade política para coletar o IR, o Paquistão recorre a medidas mais fáceis, como um imposto sobre consumo considerado menos justo porque atinge os pobres tanto quanto os ricos.
Muhamed Azhar, 26, motorista em Karachi que tem um salário mensal de US$ 123, paga o mesmo imposto sobre consumo que um membro do Parlamento que ganha US$ 1.400 por mês mais benefícios. Os ganhos com imóveis e terra raramente são declarados.
"Os grandes que nos governam têm casas e empregados e deveriam pagar impostos", disse Azhar, observando a fila de veículos caros que passam a caminho do Parlamento.

Colaborou Salman Masood


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