São Paulo, segunda-feira, 26 de setembro de 2011

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Uma linha que divide e define

RINA CASTELNUOVO PARA THE NEW YORK TIMES
Israelenses e palestinos veem a Linha Verde de maneira diferente. Uma palestina expulsa suas cabras de um assentamento israelense

Por ISABEL KERSHNER

BARTAA, Cisjordânia - Durante décadas Israel tentou apagar da consciência pública a Linha Verde, a fronteira pré-1967 com a Cisjordânia, hoje no centro das proteladas negociações pela criação de um Estado palestino.
Israel construiu dos dois lados da linha e a apagou dos livros escolares e mapas meteorológicos. Os motoristas israelenses na rodovia Tel Aviv-Jerusalém cruzam a linha não demarcada na junção Latrun a cada segundo. Em Jerusalém, um novo sistema de bonde atravessa bairros judeus e palestinos, cruzando descuidadamente e com frequência um limite invisível.
Mas uma viagem recente ao longo da linha, desde o posto de controle de Jalama, ao norte, até as aldeias de Al Ghuwein e Sansana, ao sul, mostra que Israel preservou a linha em termos jurídicos e administrativos, e ela define a vida dos moradores dos dois lados.
O governo Obama pediu negociações para um Estado palestino com fronteiras baseadas nos limites de 1967. Na ausência de negociações, as notícias giravam em torno da proposta palestina na ONU este mês para ser considerada um Estado dentro das fronteiras de 1967.
Israel rejeita a Linha Verde como indefensável. Em seu ponto mais estreito, Israel tem apenas 14 quilômetros de largura. Aumentando a sensação de vulnerabilidade dos israelenses, a planície costeira margeada pelo limite pré-1967 se ergue em uma serra que percorre a Cisjordânia, que ficava no lado árabe até que Israel a ocupou depois da guerra de 1967. Sucessivos governos israelenses estabeleceram assentamentos judeus nos morros da Cisjordânia.
Para autoridades palestinas, o que começou como uma linha de cessar-fogo temporário tornou-se sagrada. "Se os israelenses não reconhecerem esta linha", disse Nazmi al Jubeh, um historiador palestino, "significa que não reconhecem o território além dela como ocupado."
A Linha Verde foi traçada enquanto Israel e Jordânia negociavam um armistício depois da guerra árabe-israelense de 1948; ela recebeu o nome por causa da caneta verde com que foi marcada. A linha se manteve até 1967, quando Israel capturou a Cisjordânia e Jerusalém Oriental da Jordânia, juntamente com a faixa de Gaza do Egito e as colinas do Golã, da Síria.
Enquanto o limite amplamente separa os israelenses dos palestinos, cerca de 1,5 milhão de árabes palestinos são cidadãos de Israel, e mais de 500 mil judeus israelenses vivem a leste do tra;ado delimitado pela Linha Verde.
Mas para os palestinos a linha já serve como uma fronteira virtual, mesmo sem haver um Estado oficialmente reconhecido do outro lado.
Em Bartaa, uma aldeia árabe ao norte que fica sobre a Linha Verde na área conhecida como Wadi Ara, a Linha Verde é alternadamente ignorada ou respeitada, depende do contexto.
O mercado de Bartaa se espalha por um vale estreito que é cortado por estradas. A Linha Verde sem demarcação corta diretamente o mercado, separando duas partes de uma aldeia há muito tempo habitada por uma família, o clã Kabha.
Com a conquista da Cisjordânia por Israel em 1967, a fronteira hostil evaporou e as duas partes de Bartaa foram reunidas. Depois, quando Israel construiu a barreira de segurança na faixa de Gaza, ampliou a cerca no território da Cisjordânia.
Embora os palestinos vejam a barreira como uma invasão de terra, os aldeões a aceitaram como o menor de dois males, para evitar que fossem divididos novamente.
Judeus e árabes israelenses entram em Bartaa na Cisjordânia para aproveitar os preços mais baixos. Mas desde a década de 1990, quando Israel começou a exigir autorização para a entrada de palestinos e endureceu as medidas de segurança em consequência do terrorismo, os Kabha da Cisjordânia foram proibidos de atravessar a estrada e entrar em Israel.
Muitos em Bartaa na Cisjordânia contornaram o problema casando-se com parentes do lado israelense, o que lhes dá uma situação diferente. Mas outros, como Abed Kabha, um palestino que nasceu aqui em 1967 e dirige uma mercearia no lado da Cisjordânia, precisa pedir autorização para entrar em Israel. Eles se mantêm em seu lado da aldeia por medo de ser apanhados por patrulhas de Israel.
Para muitos israelenses, estar perto ou logo depois da Linha Verde tem pouca importância. Em comparação, os palestinos que vivem perto da linha levam em conta cada centímetro de solo.
Sansana, estabelecida no deserto do Neguev por quatro idealistas da área de Tel Aviv no final dos anos 1990, é um caso raro de uma comunidade israelense que ocupa os dois lados da Linha Verde. Mas mesmo aqui Israel manteve escrupulosamente a diferença administrativa. As 50 casas prefabricadas no lado israelense foram autorizadas por um comitê do sul de Israel. As 60 casas que sobem pelo lado da Cisjordânia foram aprovadas pelos militares israelenses e o Ministério da Defesa.
Não longe de Sansana, nos morros pouco povoados ao sul de Hebron, na Cisjordânia, fica Upper Ghuwein, um acampamento palestino não oficial. Aqui, duas amplas famílias cuidam de carneiros e cabras e tentam colher algo.
Khader Hawamdi, 77, lembra que autoridades israelenses e jordanianas caminharam com mapas no vale abaixo, marcando a linha de armistício com barris. Ele diz que os aldeões receberam ordem de se mudar para esse ponto, mais acima no morro.
Mas Upper Ghuwein nunca foi reconhecida pelas autoridades israelenses. Seus moradores não podem obter licenças de construção, por isso vivem em acampamentos improvisados.
"Nós ficamos aqui", disse Khawla Ismail Daghamin, 37, mãe de dez filhos, "porque se sairmos os judeus tomarão conta da terra."
Ao longo de toda a linha há histórias de ressentimento dos palestinos e nostalgia pelo que ficou para trás. Mas nesta área complexa nada permanece por muito tempo.
Nos morros em terraços entre Jerusalém e Belém, a aldeia de Walajeh não fica mais onde costumava ficar. Seus moradores cruzaram para território da Jordânia durante as lutas em 1948, quando a aldeia original, no que hoje é Israel, foi atacada pelas forças sionistas. Quando a realidade da derrota árabe se instalou, os aldeões construíram casas permanentes nas terras da aldeia no lado da Cisjordânia, tornando-se refugiados à vista de suas antigas casas. "À noite as pessoas voltavam para ver suas casas bombardeadas", lembrou Muhammad Abu al-Tin, 60. Mais tarde elas foram arrasadas por escavadeiras.
A Linha Verde ainda percorre o vale entre a aldeia original e a nova, marcada por uma seção da antiga ferrovia Jerusalém-Jaffa.
Hoje, porém, uma parte maior das terras da aldeia e a vista estão desaparecendo atrás do concreto, enquanto Israel constrói a última parte de sua barreira aqui, separando as casas de Walajeh do território israelense e do assentamento judeu vizinho de Har Gilo.
"O muro está comendo a aldeia", disse Khaled Abu Tin, 45, outro morador. "Se o muro fosse o limite de um Estado, seria uma coisa. Mas aqui mudam os planos todo ano. Você não sabe onde está."
Os deslocamentos parecem ser a experiência comum a muitos israelenses e palestinos dos dois lados da linha. Mas a Linha Verde permanece a divisão visível e invisível entre dois povos.
Gideon Avidor, 70, um general israelense aposentado, olhou do teto de um forte em Latrun que dá para a principal rodovia Tel Aviv-Jerusalém, que foi o local de uma das batalhas mais ferozes da guerra de 1948. Na teoria, ele disse, com trocas de terra que incluiriam manter Latrun, a geografia não deveria ser um problema.
A realidade: primeiro cada lado teria de "decidir viver junto com o outro, ou não tentar expulsar o outro, nos termos mais simples".


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