São Paulo, segunda-feira, 26 de setembro de 2011

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DINHEIRO & NEGÓCIOS

Dois bancos, dois contos de crise

STEVEN M. DAVIDOFF
ENSAIO

Faz neste mês três anos que o Bank of America mergulhou no turbilhão e comprou o Merrill Lynch por cerca de US$ 50 bilhões. Na manhã seguinte, o Lehman Brothers anunciou seu pedido de falência, para logo em seguida vender parte das suas operações ao Barclays, pelo montante de US$ 250 milhões.
Um desses negócios foi um sucesso. O outro é questionável.
A diferença mostra não só como a arrogância de um executivo pode destruir uma empresa, mas também como, três anos depois, a incapacidade do Tesouro dos EUA, do Fed (Banco Central) e dos próprios bancos do país em reduzir a exposição bancária às hipotecas continua ameaçando a economia americana.
Das duas transações, a vencedora é a aquisição do Lehman. O Barclays pagou só pelas operações de varejo bancário, mas adquiriu também uma poderosa franquia nos EUA.
O Merrill também tem ido bem, mas isso só ressalta o desempenho assustadoramente ruim do Bank of America (BoA).
O banco teve um prejuízo de US$ 8,8 bilhões no segundo trimestre, depois de conseguir eliminar do seu balanço US$ 20,7 bilhões em perdas relacionadas a operações de hipotecas.
Seria bem pior sem o Merrill. As operações de investimentos e gestão de fortunas do BoA -basicamente antigas operações do Merrill- geraram lucro de US$ 2,1 bilhões para o BoA, sobre um faturamento de US$ 11,3 bilhões.
Porém, embora represente uma boia de salvação para a matriz, o Merrill também contribui substancialmente para aumentar os problemas do BoA.
Os passivos do Merrill decorrentes da crise hipotecária foram integralmente assumidos pelo BoA. Não está claro ainda qual é o volume deles, mas a estimativa é de que a soma chegue a dezenas de bilhões de dólares.
É aí que os dois negócios realmente diferem. Os reguladores do Barclays impediram-no de adquirir o Lehman antes que este declarasse falência.
Ao comprar o banco Lehman já falido, o Barclays não ficou com sua parte podre: mais de US$ 600 bilhões em dívidas.
Já o BoA se apressou em adquirir o Merrill. A transação foi conduzida pelo então executivo-chefe do BoA, Kenneth Lewis, que havia passado anos desejando ardentemente o Merrill Lynch.
O BoA pagou um ágio de 70% por um banco que valia bem menos e que poderia estar insolvente no mercado.
Por estar tão envolvido quanto o Merrill no mercado hipotecário -ou talvez até mais-, o BoA deveria estar ciente, em setembro de 2008, dos problemas que despontavam no horizonte. Mas a avidez de Lewis corroeu toda a sua capacidade de fazer uma avaliação mais sóbria da questão.
Ao mesmo tempo, me pergunto onde o conselho do BoA estava em meio a tudo isso.
A primeira lição do caso BoA/Merrill é que a impaciência e a arrogância de um executivo-chefe podem levar a péssimas decisões. E que os reguladores às vezes podem conseguir impedir essas manobras precipitadas, se estiverem presentes.
Mas há aqui também uma lição maior. No caso do Barclays, o regulador avaliou que os passivos não podiam ser assumidos.
O resultado foi um processo de falência complicado e custoso para o Lehman, mas que permitiu a prosperidade da parte viável dessa instituição bancária.
Já os ativos tóxicos do Merrill foram unidos aos do BoA. Embora alguns argumentem que a divisão de investimentos do Merrill está ajudando o BoA, isso despreza o fato de que os ativos hipotecários do Merrill provavelmente agora estão fazendo mais mal ainda ao banco.
A lição definitiva dessas duas grande transações é que o mais indicado é tomar o "remédio" o mais rápido possível.
Os reguladores e bancos ainda não chegaram a termos comuns sobre a dívida hipotecária deixada nos balanços dos bancos pela crise financeira, e muito menos sobre o passivo que cabe a esses bancos por terem vendido tais hipotecas a investidores.
Três anos depois, esses mesmos passivos hipotecários continuam assombrando muitos bancos. Mas essa não é uma preocupação para o Barclays, pelo menos não nos Estados Unidos. Ele fez o melhor negócio.


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