São Paulo, segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Vale no Iêmen abriga face moderada do islã

Por ROBERT F. WORTH
TARIM, Iêmen - O vale desértico e remoto de Tarim, no Iêmen, com seus penhascos que se erguem altos e suas casas antigas feitas de tijolos de barro, é provavelmente mais conhecido no exterior por ser o lugar onde nasceu o pai de Osama bin Laden. Hoje, a maioria das notícias sobre o Iêmen veiculadas na mídia ocidental se refere ao país, em tom ameaçador, como a "pátria ancestral" do líder da Al Qaeda, como se sua ideologia assassina tivesse de alguma maneira sido gerada ali.
Na realidade, Tarim e suas redondezas são um centro histórico do sufismo, uma linhagem mística do islã. A escola religiosa local, Dar al Mustafa, é um lugar multicultural, repleto de estudantes vindos da Indonésia e da Califórnia.
"A verdade é que Osama bin Laden nunca esteve no Iêmen", disse o diretor da escola, Habib Omar. "Seu pensamento nada tem a ver com este lugar."
Recentemente, a Al Qaeda vem encontrando um novo santuário no Iêmen. Mas a inspiração dos militantes, disse Omar, não teve origem ali. A maioria dos seguidores do grupo já viveu na Arábia Saudita -como o próprio Bin Laden- e foi ali, ou no Afeganistão ou Paquistão, que aderiu à mentalidade jihadista.
Habib Omar começou há 16 anos um trabalho de tentar restaurar o antigo legado religioso de Tarim. Trata-se de uma herança extraordinária para uma cidade árida, varrida pelos ventos, situada no extremo sudeste da península arábica.
Há cerca de 800 anos, mercadores de Tarim e outras partes de Hadramawt, como é conhecida a área mais ampla, começaram a descer pelo litoral, viajando até o mar da Arábia e seguindo em embarcações frágeis até Indonésia, Malásia e Índia. Eles deitaram raízes, cresceram e levaram sua religião com eles. Nove homens especialmente devotos, todos com suas origens em Tarim, hoje são lembrados como "os nove santos", disse Omar, por seu êxito em difundir o islã pela Ásia.
"Esta cidade, com sua tradição milenar, foi o principal catalisador que levou até 40% dos muçulmanos do mundo a se tornarem muçulmanos", disse John Rhodus, 32, natural do Arizona e que vem estudando intermitentemente em Dar al Mustafa desde 2000. A tradição sufista de Tarim parece também ter ajudado a moldar o islã relativamente moderado praticado em boa parte do sul da Ásia.
Os mercadores hadramis continuaram a formar uma rede extraordinariamente intrépida e bem-sucedida até o século 20. Alguns deles fizeram fortuna na Arábia Saudita e ali permaneceram. Outros retornaram a seu país e ergueram palácios luxuosos como monumentos de seu sucesso.
Depois de uma junta comunista assumir o poder após a retirada britânica do Iêmen do Sul, em 1967, a maioria dos comerciantes fugiu. Hoje, seus palácios estão abandonados e decadentes.
Os anos do comunismo, que duraram até a unificação do Iêmen, em 1990, foram ainda piores para aqueles que se recusaram a aceitar o secularismo obrigatório imposto pelo novo governo. "Alguns estudiosos religiosos foram torturados, e outros, assassinados", contou Omar. "Alguns foram amarrados à traseira de carros e arrastados pelas ruas até morrerem."
Em 1993, Omar começou a dar aulas de religião de inspiração sufista, em sua casa. Três anos depois, transferiu-se a um prédio escolar de dois andares, com uma mesquita ao lado. Hoje a escola tem cerca de 700 alunos. Pelo menos metade vem do sul da Ásia, e há um número crescente de estudantes americanos e britânicos.
A maioria dos estudantes tem entre 18 anos, a idade mínima aceita, e 25. Eles costumam passar quatro anos estudando ali antes de voltar a seus lugares de origem. Habib Omar os incentiva a seguir carreiras profissionais e divulgar suas crenças tranquilamente, mas não a se tornarem estudiosos religiosos.
Ao mesmo tempo em que a escola crescia, porém, uma vertente mais militante do islã ganhava seguidores em toda a região. A Arábia Saudita, na fronteira norte do Iêmen, financiava escolas e acadêmicos religiosos ultraconservadores, num esforço para reforçar sua influência no Iêmen. Em 1991, o rei saudita, irritado com o apoio público dado pelo Iêmen a Saddam Hussein, expulsou do país 1 milhão de trabalhadores iemenitas, muitos dos quais tinham passado décadas na Arábia Saudita.
O presidente iemenita, Ali Abdullah Saleh, se reconciliou com os sauditas e deu as boas-vindas a jihadistas árabes que tinham combatido no Afeganistão. Mais tarde, convocou a ajuda dos jihadistas para combater inimigos internos, incorrendo em uma dívida política que está complicando seu esforço para combater a Al Qaeda.
Habi Omar reconheceu a contragosto que sua abordagem mais moderada ao islã tem adversários em Hadramawt.
"Existem diferenças", disse ele. "Mas a maneira correta de tratar com essas pessoas é fazê-las lembrar os princípios islâmicos, e não falar mal delas."

Texto Anterior: TENDÊNCIAS MUNDIAIS
Análise: Rússia vê um modelo no Partido Comunista chinês

Próximo Texto: Órfãos portadores de HIV aprendem lição amarga no Vietnã

Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.