São Paulo, segunda-feira, 27 de abril de 2009

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Velhos e incansáveis mestres do cinema

Por A.O. SCOTT

The Late Film (O filme tardio), uma série no espaço cultural BAMcinématek, em Nova York, em cartaz até o fim de maio, explora filmes com energias contraditórias: o trabalho de artistas reconhecidos que já passaram do primor da vida cheia de promessas. E há algo maravilhosamente perverso, mesmo que provavelmente acidental, em dedicar maio, mês símbolo de frescor e juventude, a velhos mestres no inverno de suas vidas criativas.
A série, apresentada na Academia de Música do Brooklyn, é incomum na maneira como reúne materiais díspares. A maioria das séries de filmes é organizada ao redor de um único gênero ou período, um cinema nacional ou, mais convencionalmente, da obra de um diretor. A BAMcinématek e a curadora-adjunta do programa, Miriam Bale, arrancaram duas dúzias de filmes desses contextos familiares, reunindo uma variedade de obras e cineastas, de Yasujiro Ozu a Jean-Luc Godard, de Ernst Lubitsch a Robert Altman, de John Ford e Howard Hawks a Stanley Kubrick e Ousmane Sembene.
E, em vez de aproveitar as pedras-de-toque estabelecidas ou as obras-primas reconhecidas, a série reúne uma colagem de filmes que são, de maneiras diferentes, provocativos e surpreendentes, capazes de desafiar nossas suposições sobre cada um de seus realizadores e sobre o cinema em geral.
Afinal, o cinema ainda é uma forma de arte comparativamente jovem, que vive da novidade e da atemporalidade. Mas a velha guarda continua seguindo, ninguém com mais insistência que Manoel de Oliveira, diretor português ("Vale Abraão") que fez 100 anos em 2008 e representado na série por "Um Filme Falado", de 2003.
Esse filme tem muito a dizer. A maior parte dele consiste em diálogos falsamente casuais conduzidos em meia dúzia de línguas. Um professor de história e sua filha viajam de barco de sua casa em Lisboa até a Índia, parando em portos e conversando com as pessoas que encontram sobre a história que os cerca.
O imediatismo do filme parece discordar de seu ritmo deliberado e o estilo clássico, de modo que o marca como ao mesmo tempo antiquado e urgente. E essa sensação de anacronismo, de encontrar algo ao mesmo tempo velho e novo, e portanto difícil de situar, talvez seja a característica definitiva dos filmes tardios.
Muitos cineastas, escritores e artistas são abençoados com a longevidade, mas nem todos chegam à verdadeira tardeza, fase em que a maestria colide com uma sensação inquieta de coisa inacabada, em que a contemplação da mortalidade inspira resignação e ao mesmo tempo revolta.
Uma obra tardia é ao mesmo tempo familiar e estranha, característica do artista e no entanto díspar de tudo o que a precedeu. Um catálogo de obras tardias canônicas poderia incluir os nenúfares de Monet, os papéis recortados e colagens de Matisse, as últimas peças de Ibsen e a Nona Sinfonia e os seis últimos quartetos de cordas de Beethoven.
O compositor, inclusive, tem um amplo lugar em "On Late Style" [Sobre o estilo tardio], de Edward W. Said, um dos poucos estudos críticos sustentáveis do fenômeno da tardeza. Para Said, um crítico e polemista prolífico que escreveu não muito antes de sua morte em 2003, a música da fase final de Beethoven não demonstra uma aceitação madura e recatada da morte, mas sobretudo uma "tensão não serena, não harmônica".
O termo que melhor se liga a essas obras, no relato de Said, é a atemporalidade. Temos o hábito de classificar a cultura em períodos e de mapear as carreiras dos artistas segundo um arco de desenvolvimento. Mas poetas e compositores não são árvores, e às vezes onde esperamos uma mata morta encontramos estranhas brotações.
Grande parte do prazer da série Late Film reside nas coincidências que revela em sua busca do atemporal. Mas a série também parece curiosamente temporal, já que nos encontramos neste momento à beira de uma era de filmes tardios de Woody Allen e Clint Eastwood, por exemplo, que não dão sinais de desacelerar.
Enquanto isso, na França, os leões da Nouvelle Vague -de Godard a Agnès Varda, de Jacques Rivette a Eric Rohmer, todos representados na BAMcinématek- parecem ganhar vigor e ferocidade a cada década. E antigos jovens rebeldes de Hollywood -Martin Scorsese, Steven Spielberg e Francis Ford Coppola- estão na idade em que as pessoas em outras profissões começam a se aposentar. Que tipo de cineastas eles serão? Talvez seja cedo para dizer.


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