São Paulo, segunda-feira, 28 de setembro de 2009

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Regresso traumatiza bebês criados na China

Por NINA BERNSTEIN

Gordon, 3, evitava olhar seus pais nos olhos e se recusava a chamá-los de mãe e pai. Ele tinha ataques de fúria e às vezes chorava ininterruptamente por meia hora.
"Não sabíamos por quê", disse sua mãe, Winnie Liu, recordando o desespero que os levou a procurar um neurologista para saber se Gordon tinha autismo e, depois, a um hospital que os encaminhou a um programa de saúde mental para crianças pequenas em Nova York.
Finalmente eles descobriram o motivo do sofrimento de seu filho -e a razão pela qual agências de serviços sociais que ajudam famílias da China vêm enfrentando um aumento tão grande dos casos de problemas de desenvolvimento, como os de Gordon.
Como milhares de outros imigrantes chineses, reagindo a pressões financeiras e culturais, Liu e seu marido, Tim Fang, tinham enviado Gordon para viver com seus avós -a milhares de quilômetros de distância, na Província chinesa de Fujian- poucos meses após seu nascimento, em Nova York. Eles trabalhavam muitas horas por dia no setor de restaurantes e só o trouxeram de volta aos EUA quando ele tinha idade suficiente para frequentar a pré-escola pública em horário integral.
E, agora, ele os via como estranhos que o tinham roubado e levado a um país desconhecido.
"As crianças que vivem essa experiência retornam com carências enormes", disse Nina Piros, diretora de programas para a primeira infância da University Settlement, organização sem fins lucrativos.
Algumas crianças agem de maneiras assustadoras, disse ela: batem suas cabeças nas paredes, ficam sem falar ou perambulam a esmo pela sala de aula. Esses sinais de trauma extremo muitas vezes já foram tomados por sintomas de autismo. Mas são os sintomas dos deslocamentos emocionais suportados pelos pequenos.
O fenômeno de crianças nascidas nos EUA que passaram sua infância na China é conhecido há anos por assistentes sociais. Mas só recentemente o problema chamou a atenção de pesquisadores da primeira infância como Yvonne Bohr, psicóloga clínica da Universidade York, em Toronto, que chama essas crianças de "bebês-satélite".
Bohr citou uma pesquisa que constatou que crianças pequenas tiradas de Londres durante as blitz na Segunda Guerra Mundial foram tão prejudicadas pela separação de seus pais que teriam ficado melhor permanecendo em suas casas, mesmo correndo o perigo das bombas.
Bohr, que está realizando um estudo longitudinal com bebês-satélite, faz a ressalva de que a pesquisa mais antiga foi influenciada por valores e expectativas ocidentais. Os pais chineses muitas vezes são influenciados por tradições culturais: a ênfase sobre o autossacrifício pelo bem da família, a ideia de que os avós são as melhores pessoas para cuidar de crianças e um desejo de que os filhos recebam a herança cultural chinesa.
Gordon agora tem sete anos. Segundo seus pais, proprietários do restaurante Wild Ginger, em Manhattan, ele acompanha seus colegas de classe da segunda série e aprendeu a controlar sua raiva.
Mas ele ainda é mais retraído que a maioria das crianças de sua idade. Wendy Liu disse que sente culpa e remorso. "Aconselho todas as famílias chinesas: ‘Não mandem seus filhos embora, por mais difícil seja a vida, porque essa é uma perda que não pode ser reparada’", disse ela. "O dinheiro não é tão importante assim. Nada compensa o sentimento de amor entre pais e filhos."

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