São Paulo, segunda-feira, 29 de março de 2010

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CIÊNCIA & TECNOLOGIA

Algumas múmias e uma imensidão de segredos

Por NICHOLAS WADE

No meio de um aterrorizante deserto ao norte do Tibete, arqueólogos chineses escavaram um extraordinário cemitério. Seus habitantes morreram há quase 4.000 anos, mas seus corpos ficaram preservados pelo ar seco do local.
O cemitério fica na atual Província de Xinjiang, no noroeste chinês, mas os cadáveres têm traços europeus, com cabelos castanhos e narizes finos. Seus restos, embora repousem em um dos maiores desertos do mundo, foram sepultados em barcos de ponta-cabeça. E onde deveria haver lápides implorando misericórdia divina esse cemitério exibe uma vigorosa floresta de símbolos fálicos, sinalizando intenso interesse pelos prazeres e a utilidade da procriação.
Esse povo há tanto tempo desaparecido não tem nome, porque sua origem e identidade continuam ignoradas. Mas muitas pistas têm surgido a respeito de seus ascendentes, da sua forma de vida e até da sua língua.
O chamado Cemitério do Rio Pequeno n? 5 fica próximo a um leito fluvial seco, na bacia do rio Tarim, uma região cercada por cordilheiras proibitivas. A maior parte da bacia é ocupada pelo deserto do Taklimakan.
Nos tempos modernos, a região foi ocupada pelos uigures, um povo muçulmano de idioma de origem turca, aos quais se juntaram nos últimos 50 anos colonos chineses da etnia han, majoritária na China.
As cerca de 200 múmias têm aparência claramente ocidental, e os uigures, embora só tenham chegado à região no século 10, citam-nas para alegar que a Província sempre foi deles. Algumas múmias, inclusive a bem preservada mulher conhecida como Beldade de Loulan, foram analisadas por Li Jin, renomado geneticista da Universidade Fudan, que disse em 2007 que o DNA delas continha marcadores indicando origem no leste e até sul da Ásia.
As múmias do Cemitério do Rio Pequeno são, até agora, as mais antigas descobertas na bacia do Tarim. Exames de carbono feitos na Universidade de Pequim mostram que elas datam de até 3.980 anos atrás. Uma equipe de geneticistas chineses tem analisado o DNA delas.
Apesar das tensões políticas em torno da origem das múmias, os chineses disseram, em um relatório publicado em fevereiro na revista "BMC Biology", que as pessoas eram miscigenadas, com marcadores genéticos europeus e siberianos, e provavelmente vieram de fora da China. A equipe era liderada por Hui Zhou, da Universidade Jilin, em Changchun, tendo Jin como coautor.
Todos os homens analisados tinham um cromossomo Y que hoje é encontrado principalmente no Leste Europeu, na Ásia Central e na Sibéria, mas raramente na China. O DNA mitocondrial, transmitido de mãe para filha, consistia em uma linhagem da Sibéria e duas que são comuns na Europa.
Como tanto as linhagens do cromossomo Y quanto do DNA mitocondrial são antigas, Zhou e sua equipe concluem que populações europeias e siberianas provavelmente procriaram entre si antes de entrar na bacia do Tarim.
Quando os arqueólogos chineses escavavam cinco camadas de sepulturas, contou Victor Mair, professor de chinês na Universidade da Pensilvânia e especialista na pré-história da bacia do Tarim, toparam com quase 200 mastros, cada um com 4 metros de altura. Muitos tinham espécies de pás vermelhas e pretas, como os remos de alguma galé que tivesse naufragado sob ondas de areia.
Ao pé de cada mastro de fato havia barcos, de cabeça para baixo, cobertos com couro de vaca. Os corpos dentro dos barcos ainda vestiam as roupas com as quais foram sepultados. Tinham gorros de feltro com penas presas na aba, lembrando muito os chapéus tiroleses.
Nos caixões das mulheres, os arqueólogos encontraram um ou mais falos de madeira em tamanho natural, colocados sobre o corpo ou ao seu lado. Olhando outra vez o formato dos mastros que saem da proa do barco de cada mulher, os arqueólogos concluíram que os mastros eram na verdade enormes símbolos fálicos.
Já os barcos dos homens ficam todos sob os mastros que lembravam remos. Os arqueólogos concluíram que se tratava de vulvas simbólicas, que se encaixavam nos símbolos sexuais contrários, acima dos barcos das mulheres. "Todo o cemitério estava coberto por um flagrante simbolismo sexual", escreveu Mair. Para ele, a "obsessão com a procriação" refletia a importância que a comunidade dedicava à fertilidade.
Vários itens escavados no Cemitério do Rio Pequeno lembram artefatos ou costumes familiares na Europa, notou Mair. Barcos fúnebres eram comuns entre os vikings. Saias feitas de cordas e símbolos fálicos já foram encontrados em sepulturas da Idade do Bronze no norte da Europa.


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