São Paulo, segunda-feira, 29 de março de 2010

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ARTE & ESTILO

Peter Gabriel troca uma canção por outra

"Eu quis fazer um disco adulto"
PETER GABRIEL
cujo novo CD traz covers de música de outros artistas, que, por sua vez, farão covers das canções dele

Por JON PARELES

Para muitos cantores-compositores, um dia chega a hora de fazer um álbum com canções de outras pessoas. É o que faz Peter Gabriel com o novo "Scratch My Back" (Virgin). É seu primeiro álbum solo gravado em estúdio em oito anos de uma carreira que abrange várias coisas: projetos de tecnologia, colaborações musicais, iniciativas humanitárias, paternidade.
"Há o movimento 'slow food'", disse ele em entrevista dada em Nova York. "Acho que faço parte do movimento 'slow music'."
Um álbum de covers pode ser uma homenagem ou uma miscelânea, um folheto descartável ou uma declaração de coisas que são caras ao compositor. Peter Gabriel seleciona seu material em uma espécie de experimento de rede social. "Scratch My Back" recebeu seu título porque, a cada vez que Gabriel escolheu uma canção, ele pediu ao compositor desta que gravasse uma canção sua em troca (o título vem da expressão "scratch my back and I'll scratch yours", algo como "toma lá, dá cá").
O plano original era lançar dois álbuns juntos. Os compositores concordaram -com a exceção de David Bowie, cujo colaborador em "Heroes", Brian Eno, vai participar-, mas os prazos não foram cumpridos. "Talvez não consigamos todo o mundo, mas espero que sim."
A voz de Gabriel é o elemento mais reconhecível do novo álbum. É aquele barítono de velho marinheiro contador de histórias que conferiu gravidade ao Genesis em sua fase inicial, aos sucessos de Gabriel dos anos 1970 e 80, como "Solsbury Hill" e "Sledgehammer", e a "Down to Earth", canção indicada ao Oscar que ele criou com Thomas Newman para a trilha sonora de "Wall-E" em 2008. Mas, em "Scratch My Back", Gabriel colocou sua voz em um novo deserto.
O material é de compositores de rock, incluindo veteranos companheiros de Gabriel, como Neil Young, Radiohead e David Bowie, ao lado de roqueiros indie como Arcade Fire e Bon Iver. Mas as canções não têm som de rock; na maior parte do tempo, elas flutuam. Só uma, a triste "I Think It's Going to Rain Today", de Randy Newman, se assemelha ao original. As outras versões cover de Gabriel são lentas, taciturnas e temperamentais.
"Quis fazer um disco adulto", disse Gabriel, 60. "Ou seja, considerar que as pessoas são capazes de encarar música e letras difíceis. Não que eu tenha buscado o mínimo denominador comum antes, mas há um espírito pueril e brincalhão em alguns de meus trabalhos anteriores que não está presente neste disco."
Muitos dos arranjos são bizarros e astringentes, e o clima, mesmo nas canções de amor, é de desolação. "Música alegre que seja genuinamente feliz é provavelmente a mais difícil de se compor", disse Gabriel. "Acho que coisas tristes são mais naturais da condição humana."
Gabriel se impõe limites e condições porque diz achar que obstáculos ajudam mais que liberdade completa. "Sou melhor quando tento me desviar de alguma coisa do que quando procuro construir alguma coisa."
A cada lua nova Gabriel pretende lançar um download digital de duas canções no iTunes. A série começou em janeiro com sua versão de "The Book of Love", do Magnetic Fields, fazendo par com a banda cantando "Not One of Us". Stephin Merritt, o compositor do Magnetic Fields, disse que escolheu essa canção por ser "a que em que eu me senti mais à vontade fazendo meu coro de anões malévolos". O segundo download reúne "Boy in the Bubble", de Peter Gabriel, e a versão de Paul Simon de "Biko".
Gabriel confiou as faixas vocais ao arranjador John Metcalfe, ex-integrante da banda pós-punk Durutti Column. Gabriel e Metcalfe compartilham o gosto por Stravinski, o minimalista místico Arvo Pärt e minimalistas americanos como Steve Reich e Philip Glass, além dos compositores britânicos Elgar e Vaughan Williams.
Além dos covers, Metcalfe disse que está retrabalhando as canções mais antigas de Gabriel "sem bateria ou guitarras".
Gabriel comentou: "Muitas vezes eu cozinho as coisas demais, exagerando nos arranjos. Mas acho que, à medida que fico mais velho, aprendo melhor quando é hora de ser vazio e quando é o momento de ser cheio".


Texto Anterior: Adolescente com câncer requer tratamento distinto

Próximo Texto: Dança ajuda diplomacia cultural dos EUA
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.