São Paulo, segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

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CIÊNCIA & TECNOLOGIA

Em proeza canina, pistas para o aprendizado do ser humano

Por NICHOLAS WADE

Chaser, uma cadela da raça border collie de Spartanburg, Carolina do Sul, tem um vocabulário maior que o de qualquer outro cachorro. Ela sabe 1.022 palavras.
Chaser pertence a John W. Pilley, um psicólogo que ensinou durante 30 anos no Wofford College em Spartanburg. Em 2004, depois de se aposentar, ele leu uma reportagem sobre Rico, um border collie cujos donos alemães lhe haviam ensinado a reconhecer 200 palavras. Pilley repetiu o experimento e descreve suas descobertas na revista "Behavioural Processes".
Ele comprou Chaser como filhote em 2004 e começou a treiná-la durante quatro a cinco horas por dia. Ele lhe mostrava um objeto, dizia seu nome até 40 vezes, então o escondia e pedia que Chaser o encontrasse, enquanto repetia o nome. Ela aprendeu um a dois novos nomes por dia, com revisões mensais e aulas de reforço.
Os border collies têm a reputação de inteligentes e são criados para pastorear carneiros.
Chaser parece gostar do treinamento e sempre pede mais. "Estou com 82 anos e preciso ir para a cama para me livrar dela", diz Pilley.
Para ensinar Chaser, ele comprou montes de brinquedos usados para servir como itens de vocabulário. Em três anos o vocabulário de Chaser incluía 800 animais de pelúcia, 116 bolas, 26 frisbees e uma série de objetos de plástico.
As crianças aprendem cerca de dez palavras por dia até que, quando saem do colegial, conhecem cerca de 60 mil. Chaser aprendeu mais lentamente, mas enfrentou uma tarefa mais difícil: não tinha nada com que relacionar as palavras.
Para abordar a questão de se Chaser compreendia palavras específicas, Pilley lhe ensinou a tocar com a pata, com o focinho e apanhar um objeto. Então lhe apresentava três brinquedos e ela corretamente tocava ou apanhava cada um deles, dependendo do comando. "Essa experiência demonstra de maneira conclusiva que Chaser compreendia que a palavra tinha um significado", disse Pilley.
Ele também descobriu que Chaser podia ser treinada para reconhecer substantivos comuns. Ela corretamente segue a ordem "Pegue o freesby" ou "Pegue a bola".
Assombrando quase todas as interações entre pessoas e animais está o fantasma de Clever Hans, um cavalo alemão que no início dos anos 1900 respondia a perguntas sobre problemas aritméticos batendo com o casco. O psicólogo Oskar Pfungst mostrou que o cavalo podia detectar mínimos movimentos da cabeça e do corpo do perguntador. Como os observadores ficavam tensos quando Hans se aproximava do número certo de batidas e se descontraíam quando ele o alcançava, o cavalo sabia exatamente quando parar.
As pessoas projetam expectativas nos animais, especialmente cachorros, e é fácil se convencerem de que ele está realizando um feito quase humano, quando está só lendo pistas dadas inconscientemente pelo dono.
"Veja um collie trabalhar com um pastor e você ficará maravilhado como basta um pequeno gesto da pessoa para se comunicar com o cachorro", disse Alexandra Horowitz, especialista em comportamento canino.
Juliane Kaminski, do Instituto Max Planck para Antropologia Evolucionária em Leipzig, Alemanha, participou da equipe que testou Rico. Ela arranjou para que o cachorro recebesse instruções em uma sala e escolhesse brinquedos em outra, impossibilitando que o experimentador desse pistas.
Pilley e seu coautor, Alliston K. Reid, tiveram a mesma precaução.
O aprendizado de palavras por cachorros pode ter alguma relação com o modo como as crianças aprendem a linguagem, porque talvez elas utilizem os mesmos mecanismos neurológicos. Pilley e Reid concluíram que seus experimentos "fornecem claras evidências de que Chaser adquiriu uma compreensão referencial de palavras, capacidade normalmente atribuída a crianças".
Mas Chaser aprende a ligar os sons aos objetos através da repetição bruta, que não é como as crianças aprendem. E a cadela aprende suas palavras como nomes próprios, que são rótulos para coisas, em vez de conceitos abstratos como os substantivos comuns captados pelas crianças. Kaminski disse que não chegaria a dizer que as conquistas de Chaser são um passo em direção à linguagem. Um passo na direção da sintaxe, disse, seria mostrar que modificar a ordem das palavras altera o significado que Chaser lhes atribui.
Pilley diz que está trabalhando nisso. "Estamos tentando ensinar alguma gramática elementar para nosso cão", disse. "Não sabemos até onde conseguiremos ir, mas acho que estamos na fronteira."
É difícil colocar em contexto as capacidades de Chaser e Rico. Se suas conquistas estão dentro da capacidade de sua espécie, por que não há notícia de outros casos? Se eles são únicos, então os pesquisadores tiveram sorte ou algo pode estar errado nas experiências.
Pilley disse que, ao contar ao criador de Chaser sobre o experimento, "ele não se surpreendeu com a habilidade do cachorro, mas sim que eu tivesse tido a paciência de lhe ensinar".


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