São Paulo, segunda-feira, 31 de maio de 2010

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A moda encontra um lar nos museu

ROBERTA SMITH
ENSAIO

Mulheres da vida real não vestem alta-costura. Na ausência do corpo e do orçamento necessários para isso, elas apenas assistem.
Na melhor das hipóteses, vestem-se para o sucesso no curto prazo, não para a posteridade. Ou seja, não compram nem encomendam roupas luxuosas e caras de gênios da moda, peças para serem usadas algumas poucas vezes à noite, mantidas com grande cuidado e, ao final, doadas a um museu.
Isso nos conduz à irrealidade frequentemente delirante, mas desconfortante, da maioria das exposições de museu dedicadas à alta moda.
Essas exposições quase sempre registram estilos de vida e ideais de feminilidade variáveis e geralmente inatingíveis. Mas também refletem tendências históricas mais amplas em termos de gostos, costumes e riqueza, e, ao mesmo tempo, resumem as inovações técnicas, sensibilidades artísticas e fantasias que perpetuamente se transmitem às criações menos caras e mais utilitárias usadas pela maioria das mulheres. Dois exemplos notáveis de exposições de alta moda, montadas de maneira colaborativa, podem ser vistos atualmente em Nova York.
"Mulher Americana: Moldando uma Identidade Nacional" é a extravagante mostra anual do Instituto do Figurino do Museu Metropolitano de Arte (Met). Mesmo que a edição deste ano não cumpra plenamente o que seu título promete, ela é repleta de trajes de noite cujas datas variam do final da Era Dourada (1865-1901 nos EUA) até Hollywood de meados do século 20.
"Alto Estilo Americano: Produzindo uma Coleção Nacional", no Museu Brooklyn, é repleto de criações descritas, justificadamente, como "obras-primas" e que não eram expostas há décadas, se é que já tinham sido expostas antes.
A coleção inclui trabalhos (e desenhos) de gênios legítimos, como o criador de sapatos francês Steven Arpad, e, especialmente, o inimitável Charles James, cujo vestido de noite "Diamond" é um dos destaques. Mas ela também é rica em acessórios, idiossincrasias e objetos imbuídos de história.
Ali você encontrará o chapéu feito de cortinas de veludo verde e franjas douradas por Scarlett O'Hara (Vivien Leigh) em "E o Vento Levou". E também o vestido preto trajado pela rainha Vitória em uma célebre foto de família de 1896, reproduzida na exposição.
Entre os vestidos que foram usados por beldades como a atriz Ava Gardner, a colecionadora de arte Dominique de Menil ou a socialite Millicent Rogers, importante patronesse de Charles James, o vestido da rainha Vitória causa espanto. O manequim é tão baixo, largo e pesado em cima que, em um primeiro momento, o visitante pode imaginar que a figura está sentada.
Em última análise, talvez seja a mostra do Museu Brooklyn que diga mais sobre a "identidade" da mulher americana. Primeiro, porque chega mais perto do presente e inclui criações do pós-guerra relativamente modestas de americanas como Claire McCardell e Bonnie Cashin. E também porque muitas das roupas expostas pertenceram a mulheres interessantes.
Mas a exposição do Brooklyn também exibe as roupas como objetos de arte. Um vestido cheio de pregas e babados criado para a imperatriz Eugénie no final dos anos 1860 é feito inteiramente de tafetá de seda cor lavanda. Parece uma elegante representação dele mesmo.
Chama a atenção igualmente um vestido Balenciaga de 1945, cujas faixas de renda preta e organza branca são pontilhadas por paetês em quatro tamanhos. O caráter artístico da moda se evidencia especialmente em nove vestidos longos de baile criados por Charles James nos anos 1940 e 1950.
A exposição no Met é um sonho prolongado. Seus mais de 80 vestidos e conjuntos ocupam galerias cujos murais evocam ambientes de época.
Feitos em sua maioria de contas e bordados, os motivos das saias amplas dos vestidos de noite da grife Worth no salão de baile do hotel Astor são todos derivados da natureza. Os tecidos dos vestidos-coluna de Poiret, Callot Soeurs e Liberty & Co, trajados por convidadas boêmias no ateliê da Tiffany, são incrivelmente -mas discretamente- ricos em cores, texturas e desenhos.
Na sala "Flapper" (dedicada às jovens dos anos 1920), predominam as sedas e os chiffons finos, cravados com contas e paetês. Os vestidos da seção dedicada a Hollywood ("Beldades da Tela: os anos 1930") são de Madame Grès, Vionnet e Lanvin, além de James. São maravilhosos, mas concorrem pela atenção do espectador com Katharine Hepburne, Lena Horne, Rita Hayworth e Greta Garbo.
A galeria circular final é um mosaico animado de fotos de dezenas de mulheres americanas, abrangendo a maior parte do século 20. Ela atravessa divisões de classe e raça de uma maneira que a exposição em si não faz, e isso é fascinante. Mas tem um efeito cafeínico e faz a mente do espectador voltar para a realidade e para a cidade lá fora.


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