São Paulo, domingo, 01 de abril de 2001

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OMBUDSMAN

As ênfases e os números

BERNARDO AJZENBERG

Inicio com o e-mail de um leitor:
"Não sei se é modismo falar mal de São Paulo ou vontade do jornalista de impor uma opinião pessoal, mas a reportagem sobre o que os 22 corredores da Fórmula 1 acham sobre a cidade de São Paulo está bem distorcida. Tanto a chamada na capa de "Esporte" quanto o título da notícia dizem que os corredores têm medo da violência na cidade. Na verdade, apenas três fizeram esta afirmação. A maioria diz conhecer pouco a cidade e muitos citam o entusiasmo do público pelas corridas ou os restaurantes, especialmente as churrascarias, como algo que os atrai em São Paulo... Foi dada ênfase apenas a pontos negativos, mesmo quando estes representam a opinião de uma minoria pouco significativa".
O comentário, de Paulo Marcos de Carvalho, teve a companhia de outros, com críticas parecidas.
Eles se referem ao levantamento publicado na Folha domingo (25)com os pilotos que hoje disputam o GP Brasil, baseado em quatro perguntas: 1) O que você acha de Interlagos?; 2) Qual é a sua opinião sobre São Paulo?; 3) Qual é a sua maior lembrança de um GP Brasil?; e 4) O que você espera para a prova deste ano?
A capa de "Esporte" dizia: "De acordo com a maioria dos 22 pilotos, São Paulo é uma cidade violenta e Interlagos representa um excessivo desgaste". O sobretítulo: "Enquete feita com os 22 pilotos da categoria revela receio pela violência da cidade e gosto pelo churrasco". O título: "Para F-1, correr em Interlagos é sacrifício".
Com a palavra, o leitor Eder Pantiga Recio: "Pude ver que apenas três pilotos falam isso (sobre violência): dois brasileiros (Barrichello e Burti) e Villeneuve. Os demais nem tocam no assunto".
Algo semelhante ocorre com a "Ilustrada" da última sexta-feira. Depois de ouvir 146 personalidades, o caderno trouxe a seleção das melhores capas de discos produzidas no Brasil. A campeã é a dos "Secos & Molhados" (73).
Ao resumir em termos qualitativos a pesquisa, o texto afirma: "...a enquete.. aponta para um culto de preferência pelo Brasil tropicalista e, especialmente, para as ousadias de natureza sexual e política cometidas por artistas da música no início dos anos 70".
Mais até do que a da F-1, trata-se de uma pesquisa de grande envergadura. Mas faltou registrar a "dispersão" da votação, a qual, no mínimo, relativiza a tese acima. A capa vencedora teve 23 votos, apenas 16% do total. O segundo colocado, "Todos os Olhos", de Tom Zé, recebeu só 9,5%. Mais: 31 capas tiveram somente um ou dois votos.
Isso invalida o trabalho feito? É evidente que não. Neste caso, sem dúvida a referência histórica já está conquistada.
Mas essas observações revelam que o tratamento editorial dado a enquetes, quando faz se sobreporem aos números teses previamente concebidas, pode levar a tão sintomáticas quanto involuntárias distorções.




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