São Paulo, domingo, 01 de abril de 2001

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"Uma tarefa interminável"

"A Herança de Sísifo -da arte de carregar pedras como ombudsman na imprensa". Esse é o título do livro que o jornalista Lira Neto, 37, lançou na última quinta-feira em Fortaleza (CE). Advogado dos leitores do jornal "O Povo" em 98, Lira Neto, 11 anos de profissão, retrata nesse trabalho a sua experiência. Além da Folha, o jornal cearense é o único na imprensa brasileira a manter um ombudsman. A seguir, entrevista com o autor, hoje coordenador editorial da Fundação Demócrito Rocha, do grupo que edita "O Povo".

Folha - Por que esse título?
Lira Neto -
Sísifo é o personagem mitológico condenado pelos deuses a carregar uma imensa pedra até o topo de uma montanha, para sempre vê-la despencar ladeira abaixo. É metáfora para uma tarefa interminável, sempre inacabada.

Folha - Qual o maior obstáculo para exercer essa função?
Lira Neto -
Está no fato de que os jornalistas são impermeáveis à autocrítica. Adoram dissecar pecados alheios, mas ficam profundamente incomodados quando passam à condição de vidraça.

Folha - Ganhou inimizades na Redação do jornal?
Lira Neto -
Ao analisar o trabalho de colegas, o ombudsman está sempre cortando a própria carne. Certa vez recebi um abaixo-assinado agressivo da parte de 34 colegas por conta de uma crítica ao sensacionalismo de uma matéria. Dentre eles havia amigos até então bem próximos.

Folha - Qual foi a polêmica mais difícil que o senhor enfrentou?
Lira Neto -
Uma das mais acirradas foi quando critiquei o fato de jornalistas de "O Povo" serem também assessores de imprensa. É uma distorção grave, que infelizmente ainda perdura na imprensa local.
Como represália, fui acusado de também ter dois senhores, pois dava aula na Universidade Federal do Ceará. Achei a comparação descabida. No meu caso não havia qualquer conflito de interesse. Mas tive de renunciar ao emprego na universidade.

Folha - A existência de um ombudsman é puro marketing?
Lira Neto -
Pode ser marketing, entre outras coisas. Mas cabe perguntar: se é só marketing, por que os outros jornais também não têm o seu ombudsman? Claro que ele agrega imagem positiva ao veículo, mas acredito que, mais do que isso, ele representa uma forma concreta de a sociedade interagir e discutir o papel dos jornais e dos jornalistas.

Folha - Houve alguma tentativa da direção do jornal de podar seu trabalho?
Lira Neto -
Nunca tive uma única linha da minha coluna alterada. O ombudsman tem de desfrutar de completa independência. Mesmo quando discute as contradições inerentes aos negócios e interesses políticos e econômicos da própria empresa de comunicação. Talvez por isso tão poucos jornais brasileiros toparam o desafio de instituir a figura do ombudsman.



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Bernardo Ajzenberg é o ombudsman da Folha. O ombudsman tem mandato de um ano, renovável por mais dois. Ele não pode ser demitido durante o exercício do cargo e tem estabilidade por seis meses após o exercício da função. Suas atribuições são criticar o jornal sob a perspectiva do leitor -recebendo e verificando as reclamações que ele encaminha à Redação- e comentar, aos domingos, o noticiário dos meios de comunicação.
Cartas: al. Barão de Limeira 425, 8º andar, São Paulo, SP CEP 01202-900, a/c Bernardo Ajzenberg/ombudsman, ou pelo fax (011) 224-3895.
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