São Paulo, domingo, 03 de maio de 2009

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Avestruz ou apocalíptico


Preparar o leitor para algo que pode ter consequências trágicas sem apavorá-lo é extremamente complicado


A COBERTURA de problemas de saúde pública como a possível pandemia de gripe que dominou o noticiário mundial esta semana é um dos maiores desafios do ofício do jornalismo.
Como traçar a linha entre preparar convenientemente o público para algo que pode ter consequências trágicas sem apavorá-lo desnecessariamente é um exercício extremamente complicado. Ainda mais quando se está lidando com um vírus novo, mal conhecido, com grau de letalidade indefinido, que deixa até mesmo epidemiologistas experientes inseguros ao tratar dele.
Pedi a dois dos mais calejados e capazes jornalistas especializados em ciência no Brasil para me ajudarem a avaliar como a Folha se saiu desde que começaram a surgir as primeiras informações de contaminação no México.
Marcelo Leite, que foi editor de ciência deste jornal três vezes (a mais recente entre 2000 e 2004), além de ombudsman (entre 1994 e 1997), e Maurício Tuffani (editor de ciência entre 1997 e 1999) concordam comigo que de modo geral os leitores estão bem servidos pelo seu diário neste item.
O louvável esforço em ser didático, a aconselhável cautela para não despertar histeria injustificada e a ampla abrangência das informações foram pontos positivos reconhecidos por todos. Marcelo Leite nota que, no início, o jornal pareceu um pouco perdido com as cifras de vítimas fatais atribuídas à nova gripe: muitas das mortes registradas de pacientes com sintomas de gripe podiam ter resultado de vírus antigos.
Mas essa confusão tinha como origem informações oficiais do governo mexicano, que também demonstrava incerteza ao lidar com os fatos. Todos os anos, cerca de 10 mil pessoas morrem no México de gripe sazonal. Como dizer com segurança, quantas entre os de 2009 eram vítimas da nova doença?
O que certamente estava faltando era um jornalista próprio no México para descrever como é a vida no epicentro do drama. Claro que ele não será capaz de provocar reflexão profunda como a que resulta de obra de grande ficção sobre uma situação de epidemia, como o romance de Camus ou o filme de Von Trier recomendados hoje, mas qualquer boa história real de pessoas afetadas diretamente ajudaria a aumentar a empatia e a compreensão dos leitores.
Também acho que pode haver mais ênfase na cobertura local: como as pessoas estão reagindo às notícias que vêm de fora, como as que têm de ir para o exterior enxergam essa perspectiva, como os cidadãos se preparam para uma possível eclosão da epidemia na sua região. Na média, o jornal vem se portando de modo adequado: nem enfia a cabeça na areia nem sai gritando que o céu está desabando.


PARA LER


"A PESTE", de Albert Camus, tradução de Valerie Rumjanek, Record, 1997 (a partir de R$ 32,37)

"A HISTÓRIA E SUAS EPIDEMIAS", de Stefan Cunha Ujvari, Senac, 2003 (a partir de R$ 59,29)

PARA VER


"EPIDEMIC", de Lars Von Trier, 1987 (em importadoras, a partir de US$ 27, mais impostos)




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Carlos Eduardo Lins da Silva é o ombudsman da Folha desde 22 de abril de 2008. O ombudsman tem mandato de um ano, renovável por mais dois. Não pode ser demitido durante o exercício da função e tem estabilidade por seis meses após deixá-la. Suas atribuições são criticar o jornal sob a perspectiva dos leitores, recebendo e verificando suas reclamações, e comentar, aos domingos, o noticiário dos meios de comunicação.
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