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Ética e polêmica
Uma rara coincidência fez surgirem em poucos dias no jornal
três episódios relacionados a
questões de ética jornalística sobre os quais vale a pena refletir.
Ao lado da reportagem sobre o
concurso de Miss Brasil ocorrido
sábado, a Folha publicou segunda-feira uma crônica da colunista Danuza Leão sobre o evento.
Em crítica interna, questionei
o procedimento: "Não encaro o
assunto do ponto de vista pessoal, mas me parece inadequado
que uma colunista que foi jurada do concurso (...) escreva no
jornal a crônica sobre o mesmo
evento". Como atenuante, observava que, no texto, a autora informava, com transparência, ter
feito parte do júri.
Consultada pelo ombudsman,
Danuza esclarece que não foi remunerada para participar, que
informou o leitor sobre sua presença no júri e que "votar nas
dez mais bonitas não me impediu de ver o que eu teria visto se
estivesse na platéia ou pela televisão: que o universo das misses
é um mundo à parte, que os conceitos de beleza -medidas
etc.- são diferentes dos que a
mídia nos impinge há anos (magreza, perna fina etc.), que os cabelos têm de ser iguais etc.".
A Secretaria de Redação avalia que 1) não se tratava de um
texto noticioso; 2) não estava em
jogo uma questão pública relevante; 3) o fato de a autora ser
jurada (o que foi exposto) e personalidade conhecida oferecia
um ponto de vista interessante
para o leitor; e 5) o jornal ofereceu informação adicional e agregou charme a uma cobertura
apenas de entretenimento.
O assunto é controverso e complexo. De minha parte, penso
que, independentemente das
reais atenuantes, da boa-fé da
colunista e das possíveis vantagens editoriais, tal combinação
sempre pode levar o leitor a ficar
com uma pulga atrás da orelha.
E essa mera possibilidade de dúvida não é algo positivo, seja para o jornal seja para o jornalista.
Prefiro a rigidez objetiva do
"Manual da Redação", cujo verbete "Ética" (pág. 41) relaciona
como "um dos mais altos princípios éticos da profissão" o fato de
"não escrever sobre assuntos em
que (o jornalista) tenha interesses pessoais diretos".
Cabe registrar, por outro lado,
que o tal concurso foi questionado quanto a sua lisura em reportagens de outros jornais ao longo
da semana (o "Diário de S.Paulo" chegou a publicar um dia antes dele anúncios classificados cifrados com o nome da vencedora, para poder depois demonstrar a suposta fraude), fato que a
Folha preferiu ignorar. Mas isso
já é outro assunto.
"Valor"
Na terça-feira, o jornal "Valor
Econômico" -diário especializado em economia dos grupos
que publicam a Folha e "O Globo"- noticiou a mudança de
seu diretor-presidente.
O fato -que circulou em site
especializado da internet no dia
anterior- foi divulgado também pelo "Estado de S.Paulo" e
pela "Gazeta Mercantil".
A Folha e o "Globo" nada publicaram -registrei o equívoco
dessa omissão na crítica diária
da própria terça-, acabando
por fazê-lo apenas no dia seguinte (edição de quarta-feira).
"Num primeiro momento", diz
a Secretaria de Redação, "o jornal avaliou como um assunto de
menor importância para o conjunto dos leitores. Depois, consideramos que seria interessante
fazer o registro no Painel S/A".
Diariamente se publicam dezenas de informações em tese
"de menor importância para o
conjunto dos leitores", que é heterogêneo. Acho que, aqui, ao
menos no primeiro momento,
frustrou-se, na verdade, o princípio da transparência, ainda
mais que o diretor demissionário -o executivo Flávio Pestana- faz parte do Conselho Editorial da Folha (dado ausente,
aliás, da nota do Painel S/A).
Lula e Brizola
Uma ilustrativa reportagem
publicada na quarta-feira mostrou que o presidente Luiz Inácio
Lula da Silva, cuja proposta de
reforma previdenciária prevê a
cobrança de contribuição dos
servidores inativos, endossou em
2001 um abaixo-assinado que
condenava idêntica proposta,
apresentada então pelo governo
de Fernando Henrique Cardoso.
Ao fazer a mesma revelação,
porém, o "Globo" acrescentava
que o abaixo-assinado tinha sido divulgado no dia anterior pelo presidente do PDT, Leonel
Brizola, que faz campanha contra a aprovação do dispositivo.
Tal informação -relevante do
ponto de vista da luta política
dentro da base aliada do novo
governo federal- não constava
do texto da Folha.
Na quinta-feira, em análise sobre o caso, um editorial da Folha
usou uma fórmula tradicionalmente adotada quando o jornal
se refere a um furo dado por ele:
"Como revelou esta Folha, Lula
assinou um manifesto...". Sendo
que, aqui, não era o caso.
Instada a comentar esses pontos, a Secretaria de Redação informa que a fonte do jornal não
foi o líder do PDT e que "não sabíamos que o Brizola passaria (o
documento) para outros jornais
no mesmo dia".
Sobre o editorial, argumenta
que ele "diz que a Folha revelou,
mas não que só a Folha revelou".
Julgo importante observar,
apenas, que já na terça à noite o
"Jornal Nacional" mostrou Brizola a exibir o tal abaixo-assinado. Não se justifica, portanto, o
fato de a Folha não ter incluído
nem mesmo esse elemento na reportagem de quarta.
À frente deve estar sempre a
notícia. Paciência, no caso, se
aquilo que horas antes se apresentava como um valioso furo
deixava, então, de sê-lo.
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Bernardo Ajzenberg é o ombudsman da Folha. O ombudsman tem mandato
de um ano, renovável por mais dois. Ele não pode ser demitido durante o exercício do cargo e tem estabilidade
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-recebendo e verificando as reclamações que ele encaminha à Redação- e comentar, aos domingos, o noticiário
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