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Vida Severina e vida Serafina
O caminho que vai garantir relevância aos jornais diários em sua luta pela sobrevivência não
passa por revistas que tratam de celebridades
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NO ALTO DA capa da
Folha de domingo
passado, estavam lado
a lado a vida Severina descrita
por João Cabral de Melo Neto
("vida a retalho que é cada dia
adquirida") e a vida Serafina,
que ele não designou assim,
mas a que se referiu ao falar
das "belas avenidas onde estão os endereços e o bairro da
gente fina" em "Morte e Vida
Severina", auto de natal pernambucano de 1955.
Lá estavam o carroceiro,
que ganha R$ 13,60 para percorrer 50 km de ruas, e a modelo, que recebe R$ 15 mil para desfilar nos 30 metros de
passarela. Ela fatura R$ 500
por metro; ele, R$ 0,000272.
É possível argumentar que
se tratava de uma boa descrição do Brasil, já apelidado de
Belíndia (mistura de Bélgica e
Índia), a "terra de contrastes",
como diz o chavão.
Provavelmente a vizinhança editorial não ocorreu porque o jornal quisesse chamar
a atenção do leitor para o abismo social que separa ricos de
pobres nesta sociedade. É
mais provável que tenha resultado de uma fórmula engessada, que manda colocar
lado a lado os suplementos,
no caso as revistas do jornal.
Os mais sensíveis terão se
sentido afrontados com o disparate da oposição exibida involuntariamente. Como se
duas reportagens, uma sobre
o cardápio de um restaurante
cinco estrelas e outra sobre o
rancho servido num presídio,
tivessem sido editadas juntas
na página de gastronomia.
A novidade jornalística não
era a exibição das diferenças
de renda, mas a estréia de Serafina, o novo produto da
edição dominical a cada mês
da Folha, cuja proposta é
"passear" por nomes em evidência no Brasil e no mundo,
segundo a diretora do núcleo
de revistas do jornal disse a
"Meio&Mensagem".
É uma revista que trata de
celebridades. Minha opinião
é que não passa por aí o caminho que vai garantir relevância aos jornais diários em sua
luta pela sobrevivência. No
entanto, devo analisar o produto sob a ótica dos leitores e
da lógica estratégica que a Folha se propõe a seguir.
Dos leitores que se dirigiram ao ombudsman para comentar a revista, 60% não
gostaram. Dos demais, 20%
disseram ter gostado, mas reclamaram por ela não circular
além da Grande São Paulo,
Rio e Brasília. Os outros 20%
reclamaram da falta de mulheres e negros entre os personagens focalizados.
No gênero das revistas de
celebridades, Serafina me
parece um bom produto.
Acho esquisito o título, que a
exemplo de "Piauí" parece
querer chamar a atenção ao
explorar a contradição entre
um produto sofisticado e um
nome associado à pobreza, algo um pouco acintoso e debochado, a meu ver.
Creio que as páginas iniciais se parecem desnecessariamente demais com o modelo "Caras". Nos últimos 25
anos, este jornal tem imposto
padrões à imprensa; não é
agora que deveria precisar copiar o dos outros. De resto,
Serafina pareceu-me acima
da média das similares.
A dúvida é se o leitor da Folha aprecia esse gênero. A
maior parte dos que se manifestaram chamou a revista de
"lixo"", "lamentável", "inútil",
"tendenciosa". Alguns a classificaram de "muito linda",
"novo design". Acredito que a
maioria silenciosa a tenha
aprovado sem entusiasmo.
Tudo isso são opiniões, discutíveis, portanto. Irrefutável
é que um grupo de assinantes
e compradores avulsos está
sendo prejudicado ao não receber Serafina com o seu jornal, embora pague por ele o
mesmo preço (ou mais).
Qual seria a reação editorial
da Folha se produtores de leite passassem a vender para
fora dessas regiões embalagens com 900 ml pelo mesmo
preço do litro vendido em São
Paulo, Rio e Brasília?
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Carlos Eduardo Lins da Silva é o ombudsman da Folha desde 22 de abril de 2008. O ombudsman tem mandato de um ano, renovável por mais dois. Não pode ser demitido durante o exercício da função e tem estabilidade por seis meses após deixá-la. Suas atribuições são criticar o jornal sob a perspectiva dos leitores, recebendo e verificando suas reclamações, e comentar, aos domingos, o noticiário dos meios de comunicação.
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