São Paulo, domingo, 04 de agosto de 2002

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"Omt... o quê?"

Participei quinta-feira de seminário na Universidade Federal da Paraíba sobre "Mídia, Governo, Cidadania e Ensino".
Em meu painel ("Crítica à Mídia Brasileira Contemporânea"), houve três expositores.
Primeiramente, resumi um quadro da imprensa no Brasil, enfatizando a importância de discutir instrumentos de responsabilização social da mídia. Dei exemplos de outros países, falei da relação entre direito à informação e democracia.
O professor que me sucedeu no microfone traçou um panorama crítico em relação ao ensino da comunicação, defendeu a necessidade de evolução nas grades de currículos, com destaque para a valorização da pesquisa.
O terceiro painelista, também docente, propôs uma revisão da crítica, fez uma crítica à "crítica totalitária" da mídia, citando diversos autores renomados (nomes como Durkheim, Adorno, Habermas, entre outros) e escolas sociológicas.
Vieram, então, as perguntas por escrito do auditório, formado por cerca de 250 pessoas entre estudantes e professores.
Ao ler uma delas, pisquei os olhos várias vezes. Em letra caprichada, provavelmente feminina, dizia assim:
"O que é omt... sdulman? Desculpe a ignorância, é que somos do primeiro ano de jornalismo".
Ora, eu falara de "sistemas de responsabilização da mídia", entre outras coisas, a um auditório que, ao menos em parte, até ali nem sequer sabia em que consistia a minha função. E eram, já, universitários, estudantes de jornalismo.
Felizmente tive tempo de remediar, responder à legítima interrogação. A partir daí, imagino, facilitou-se a compreensão do que eu mesmo dissera antes.
Em minha cabeça ficou, também, muita dúvida quanto à compreensão que boa parte do público possa ter tido das interessantes, porém complexas, exposições feitas pelos meus colegas de mesa. Espero estar enganado.
De todo modo, o episódio chamou-me a atenção para a possibilidade permanente de existir um fosso entre quem escreve (ou fala) e quem lê (ou escuta), fosso bem maior do que o emissor da fala ou do texto possa imaginar. O que leva diretamente a pensar na relação jornalista/leitor.
A esse propósito, são ilustrativas as pertinentes interrogações de uma leitora sobre o seguinte "texto-legenda" de uma foto publicada em Esporte, na edição nacional da mesma quinta: "O goleiro Mare Cech, do Zilina, vê seu colega Marian Klago chutar em seu gol e empata o jogo em 1 a 1 com o Basel. A partida de volta da fase preliminar da Copa dos Campeões será quarta".
Pergunta a leitora:
"Zilina? Basel? De onde viriam esses "famosos" e conhecidíssimos clubes? "A partida de volta será quarta". OK. Na casa de quem? O jogo foi na cidade do Zilina ou do Basel? Ou os dois são da mesma cidade? Aliás, de que continente? Última pergunta: o caderno é só para iniciados?".
Quem dera cada jornalista pudesse passar pelo menos dois dias por ano, intensivamente, no meio de um grupo de leitores ou de estudantes de jornalismo. Seria um aprendizado e tanto.



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