São Paulo, domingo, 05 de março de 2000


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Máscaras

RENATA LO PRETE

Esta é a história de uma máscara, não de Carnaval, mas mortuária. De Assis Chateaubriand. Foi capa da Ilustrada em 15 de janeiro. A reportagem anunciava a descoberta, entre pertences de um jornalista morto em 1986, do rosto em bronze do criador dos Diários Associados.
No ano passado, a viúva de Nelson Gatto, repórter policial de jornais de Chateaubriand, encontrou a peça ao arrumar a biblioteca do marido.
"É o provável último capítulo da saga de uma das maiores personalidades da imprensa brasileira", comemorava o texto. Acima dele era destacado que "ninguém, nem mesmo o biógrafo Fernando Morais" (autor de "Chatô - O Rei do Brasil"), "sabia da existência" do objeto.
Completavam a descrição do mistério dados biográficos sobre Gatto e o autor da máscara, Darwin Pereira da Silva, também morto.
Eu estava em férias quando a reportagem saiu. Um mês depois, na volta ao trabalho, encontrei o aviso de um leitor: ao contrário do que fora sugerido, não havia ineditismo nenhum na história.
Origem e confecção da máscara foram relatadas em abril de 1968, por ocasião da morte de Chateaubriand, na primeira página do "Diário de São Paulo", então carro-chefe dos Diários. Ali estavam "as informações dadas como exclusivas pela Ilustrada décadas depois".
O leitor, um estudante de jornalismo de 20 anos, mostrou que o engano sobrevivia na continuação da reportagem, publicada em 16 de fevereiro. Na suíte, feita para informar que a Fundação Assis Chateaubriand resolvera comprar a relíquia, a Folha subiu o tom do anterior "ninguém sabia" para a afirmação de que havia "revelado a existência" da peça.
Além disso, o texto tratava como mistério pontos plenamente esclarecidos 32 anos atrás, como o local em que a máscara foi feita.
Mostrei a carta à Redação. As detalhadas observações mereceram três frases de resposta:
"O leitor não aponta nenhum erro de informação. Apenas cita uma reportagem feita em 1968. Isso não tira a exclusividade da reportagem da Ilustrada, que descobriu o paradeiro do objeto perdido há décadas."
O falso ineditismo é o de menos neste caso. O erro, que existiu, não é coisa do outro mundo, considerando o intervalo de tempo entre os registros da Folha e do extinto "Diário de São Paulo". Se o biógrafo de Chateaubriand diz que nada sabia sobre a máscara, é desculpável que dois repórteres não tenham encontrado vestígios dela nos arquivos.
Não era difícil dar uma resposta honesta ao leitor. Bastava agradecê-lo pelo alerta e explicar que não houve má-fé, e sim desconhecimento.
Era até possível ponderar que, mesmo despida do caráter inédito, a história poderia interessar a muitos leitores, tantos foram os entrevistados que se impressionaram com ela.
Exclusividade é obsessão de jornalista. O leitor, embora não a despreze, costuma dar mais valor à qualidade da informação.
Como em tantos outros episódios, indefensável é a atitude da Redação diante do questionamento. A resposta é uma mistura de "como ousa?" com "desapareça".
Os repórteres, que haviam enxergado tanta relevância na figura de bronze, nem ao menos se deram ao trabalho de conferir a fonte citada pelo estudante.
Esta é a história da máscara de Chatô, mas também da que é usada para se esconder do leitor. Jornalista tem vergonha de pedir desculpas, mas parece não sentir o mesmo quando desdiz o que havia dito. Nessa operação, "existência" vira "paradeiro" sem a menor cerimônia.

"Como juízes que desviam verba de uma obra pública podem fazer greve por aumento salarial?", perguntou a Folha ao presidente de uma associação de magistrados, em entrevista publicada no domingo passado.
"Sou juiz do Trabalho há 11 anos e NUNCA desviei dinheiro de nenhuma obra, pública ou privada", escreveu um leitor. "NUNCA recebi um centavo além do que consta dos meus holerites, e tudo o que existe em minha casa, da caixa de fósforos ao carro na garagem, foi comprado com o dinheiro dos meus vencimentos, EXCLUSIVAMENTE".
A formulação da pergunta é de fato descabida. Por sua lógica rasa, nenhum grupo profissional pode reivindicar aumento, já que, pela lei das probabilidades, todos têm entre seus integrantes uma parcela de pessoas desonestas.
"O jornal tem o direito de agredir dessa forma toda uma categoria?" As questões envolvidas no movimento dos juízes podem ser complexas, mas a resposta à pergunta do leitor é bastante simples: não.


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