São Paulo, domingo, 06 de março de 2011

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OMBUDSMAN

SUZANA SINGER - ombudsman@uol.com.br @folha_ombudsman

OUVIDOS MOUCOS


Jornalistas não deveriam registrar burocraticamente o que diz o "outro lado", mas levar as explicações dadas em consideração


OUVIR O OUTRO LADO. Esse mantra, repetido à exaustão na Folha, precisa ser levado mais a sério.
Tem acontecido frequentemente de repórteres registrarem burocraticamente o "outro lado", em textos à parte do principal, sem levar em consideração, de fato, o que foi dito.
É um modus operandi mais ou menos assim: alguém (uma "fonte", no jargão da Redação) faz uma denúncia, o jornalista checa os dados fornecidos, ouve outras pessoas e firma uma convicção -99% das vezes, de que há uma grande sacanagem em curso. Em um país corroído por oportunismos e corrupção, dá até para entender essa compulsão denunciante.
A partir daí, porque determina o "Manual da Redação", o repórter vai entrevistar o "acusado", mas muitas vezes sem incorporar as explicações dadas na apuração que está fazendo.
No domingo passado, "ouvidos moucos" -e outros problemas de apuração- resultaram em um pequeno vexame para a Folha. A reportagem "STJ ignora teto e paga supersalário a seus ministros", que abriu o caderno Poder e teve chamada na Primeira Página, dizia que, à revelia da lei, membros do Superior Tribunal de Justiça recebem mais do que o limite permitido pela Constituição (R$ 26,7 mil, salário do Supremo Tribunal Federal).
Não era bem assim. Dois dias depois, o jornal precisou publicar uma carta do presidente do STJ, Ari Pargendler, "erramos", além de um novo texto. Na carta, o presidente reafirmava o que havia dito ao repórter: que os pagamentos extras, como auxílio-moradia, que fazem os pagamentos ultrapassarem o teto constitucional, eram autorizados pelo Conselho Nacional de Justiça.
"Conversei, ao vivo, por uma hora e meia com o jornalista. Mostrei, por iniciativa minha, meu contracheque e expliquei item por item. Só que ele veio pautado, sabia o que queria", diz Pargendler.
O jornalista não precisava -nem deveria- acreditar no que dizia o presidente do STJ, mas era sua obrigação checar. A reportagem trazia um trecho da resolução do CNJ que citava o limite determinado pela Constituição, mas esquecia artigos seguintes, que relacionam benefícios que podem ser considerados à parte do salário.
Um ministro do STJ pode receber, além dos R$ 26,7 mil, benefícios se, por exemplo, continuar trabalhando, mesmo podendo já estar aposentado (chama-se "abono de permanência"). Bastava acessar o site do CNJ para encontrar a íntegra do texto de 2006.
Em vez disso, a matéria citava uma pessoa "em off" (sem identificação), que dizia que deveria prevalecer o pagamento máximo previsto na Constituição. É um tema polêmico, tanto que há ações no Supremo Tribunal Federal questionando a decisão do CNJ. Muita gente pode considerar imoral salários públicos desse nível, mas, enquanto o STF não julgar o caso, não é ilegal. A reportagem poderia ter simplesmente registrado quanto os ministros recebem e comparar com membros de outros tribunais superiores.
A má vontade com o "outro lado" prosseguiu no texto que corrigiu o primeiro. O jornal admitiu que tinha avançado o sinal no "Erramos", mas a reportagem em Poder titulava "Norma autoriza pagamento de supersalários, afirma STJ".
Por que colocar esse aposto ("afirma STJ") e por que, no texto, atribuir dados objetivos, verificáveis, a terceiros? Além disso, o STJ não admite que seus ministros recebem ""supersalários", esse foi um termo usado pela Folha.
"Os erros cometidos da primeira vez são até compreensíveis, fruto das ideias preconcebidas do repórter, mas depois a Folha perdeu a credibilidade", afirma Pargendler.
O noticiário político se alimenta de denúncias, que aparecem aos borbotões. Quem está no poder costuma mentir, omitir, tergiversar. Mas é preciso romper esse círculo -um pergunta pro forma, o outro nega tudo- para melhorar a qualidade do que se entrega diariamente ao leitor.
O contraditório existe e, levado em conta, deixa as reportagens mais ricas. O mundo não é tão simples nem tão maniqueísta como o jornalismo nos faz crer.


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Suzana Singer é a ombudsman da Folha desde 24 de abril de 2010. O ombudsman tem mandato de um ano, renovável por mais dois. Não pode ser demitido durante o exercício da função e tem estabilidade por seis meses após deixá-la. Suas atribuições são criticar o jornal sob a perspectiva dos leitores, recebendo e verificando suas reclamações, e comentar, aos domingos, o noticiário dos meios de comunicação.
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