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Despedida
A Folha condicionou minha permanência ao fim da circulação das críticas diárias na internet; não concordei; diante do impasse, deixo o posto
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NO ANO QUE passou,
quando as noites de
domingo se insinuavam, e tantas famílias saíam
para o último passeio do fim
de semana, a minha sabia que
ficaríamos em casa -ou pelo
menos não iríamos todos. Era
hora de eu começar a longa e
solitária jornada madrugada
adentro para terminar de esquadrinhar jornais e revistas.
De manhã, com as olheiras a
denunciar o sono roubado, leria as edições do dia e escreveria a mais encorpada crítica
semanal, a da segunda-feira.
Hoje à noite, se alguém me
chamar, terá companhia.
Esta é a 51ª e derradeira coluna dominical que escrevo
como ombudsman da Folha.
Assumi em 5 de abril de 2007,
e o meu mandato se encerrou
anteontem. Embora o estatuto autorize a renovação por
mais dois períodos, não houve
acordo com a direção do jornal para a continuidade.
A Folha condicionou minha
permanência ao fim da circulação na internet das críticas
diárias do ombudsman. A reivindicação me foi apresentada
há meses. Não concordei.
Diante do impasse, deixo o
posto. Oitavo jornalista a ocupar a função, torno-me o segundo a não prosseguir por
mais um ano. Todos foram
convidados a ficar. Sou o primeiro a ter como exigência,
para renovar, o retrocesso na
transparência do seu trabalho.
A crítica da quinta foi a última que circulou na Folha
Online, com acesso a não-assinantes da Folha e do UOL.
A partir de agora, os comentários produzidos pelo ombudsman durante a semana só
poderão ser conhecidos por
audiência restrita, de funcionários do jornal e da empresa,
que os recebe por correio eletrônico. Os leitores perdem o
direito. Era assim nos primórdios do cargo, criado em 1989.
A internet engatinhava.
Como se constata no site
www.folha.com.br/ombudsman, desde 2000 as
críticas vão ao ar. Por oito
anos, os leitores puderam monitorar a atividade cotidiana
de quem tem a atribuição de
representá-los.
Não poderão mais.
Regras
O comando da Folha esgrimiu um argumento para a decisão: no ambiente de concorrência exacerbada do mercado jornalístico, idéias e sugestões
do ombudsman são implementadas por outros diários.
De fato, isso ocorre.
E continuará a ocorrer.
Quase 20 anos atrás, as críticas ainda denominadas internas eram distribuídas em
papel à Redação.
Acabavam nas bancadas de
outros jornais. Um deles veiculou publicidade alardeando
elogio do ombudsman.
Com a difusão por e-mail,
será ainda mais difícil conter a
distribuição irregular das anotações do ouvidor. Eventuais
interessados, se bem articulados, terão como lê-las. Que segredo sobrevive a centenas de
destinatários?
Já os leitores ditos comuns,
os que fazem a fortuna de toda
empreitada jornalística de sucesso, serão barrados. A medida não resolve o problema a
cuja solução se propõe, mas
prejudica quem é alheio a ele.
A não-renovação do mandato é legítima, respeita a Constituição do jornal. Sua direção
tem a prerrogativa de convidar ou não o ombudsman a
permanecer. E de estabelecer
as normas. Não há quebra de
contrato, e sim respeito.
No meu caso, haveria mudança de regra no meio da gestão, composta de um a três
mandatos. Regras, como a Folha recomenda, devem ser estabelecidas antes do jogo.
Autópsia
Não é praxe dos jornais impressos do mundo inteiro
compartilhar na rede o que
muitos deles chamam de memorando interno do ouvidor.
Assim como, na conferência
da Organização dos Ombudsmans de Notícias, com participantes de 13 países, não encontrei quem digitasse todo santo dia, como fazemos aqui,
uma crítica ou memorando.
A Folha deu um passo ousado na imprensa brasileira ao
nomear um ombudsman. Radicalizou e tornou públicas as
críticas antes limitadas à Redação. Mais do que as colunas
dominicais, essa espécie de
parecer se destina a uma autópsia das edições. Em minúcias, identifica suas fraquezas,
sem desprezar as virtudes. Expõe as vísceras do jornal.
O desafio do ombudsman é
ser a melhor síntese possível
dos interesses dos leitores. A
eles interessa que o jornal seja
bom. Nas críticas, o ombudsman busca contribuir para
que o jornal do dia seguinte
seja melhor que o da véspera.
Essa confluência faz do ombudsman um benefício potencial ao leitor e ao jornal.
Mesmo com as críticas vetadas aos leitores, a Folha não
perderá a primazia em transparência no jornalismo nacional. As colunas de domingo
persistirão, e a publicação de
um artigo como este expressa
tolerância com o pensamento
divergente. Quantos jornais o
imprimiriam, se o objeto de
análise fossem eles?
Regressão
A despeito desse cenário, a
restrição imposta configura
regressão na transparência. O
projeto editorial da Folha
diagnostica "um jornalismo
cada vez mais crítico e mais
criticado". Reconhece que "o
leitor fiscaliza a pauta de compromissos" do jornal.
O ombudsman deve ser um
instrumento dos leitores. Se
80% dos pronunciamentos semanais ficam inacessíveis (as
críticas de segunda a quinta;
não escrevo às sextas), reduz-se a fiscalização dos leitores
sobre aquele cuja atribuição é
batalhar em nome deles.
Essa peleja não implica, em
um exemplo, advogar o alinhamento do jornal com partidários ou opositores das pesquisas com células-tronco
embrionárias, mas incentivar
o equilíbrio no noticiário e nos
espaços de controvérsia.
O ombudsman incapaz de
zelar pela manutenção da
transparência do seu ofício carece de autoridade para combater pela transparência do
jornal. Como cobrar o que se
topou diminuir?
A tendência mundial é de
expansão da transparência
das organizações jornalísticas.
A novidade da Folha aparece
na contramão.
Agradecimentos
A crítica diária é valiosa como instrumento de diálogo
entre os leitores e o ombudsman. O que ele pensa disso e
daquilo? Por vezes, a resposta
se encontra nos apontamentos do dia. Na semana passada,
foi possível conferir se eu perguntei à Folha quem lhe forneceu o dossiê do momento. A
resposta significaria romper o
compromisso de sigilo com a
fonte. Um ministro disse que
eu perguntei. Não é verdade.
Se fosse responder aos leitores sem a chance de lhes remeter à crítica on-line, não sei
se daria conta do atendimento. Em 1991, primeiro ano do
qual sobreviveu estatística,
houve 3.748 contatos com o
ombudsman. Em 2007, o recorde de 13.374.
Em janeiro, fevereiro e março de 2008, registraram-se
marcas inéditas. O salto de
24% na comparação com
idêntico trimestre do ano anterior projeta resultado anual
superior a 16.500, sem considerar o impacto de eventos
como eleição e Olimpíada.
O vigor do Departamento
de Ombudsman é manifestação da mudança de comportamento de cidadãos e consumidores de notícias: a fé nos relatos jornalísticos dá lugar ao
ceticismo; troca-se a submissão a versões pela leitura crítica; a passividade, por cobrança. Essa é a principal característica do jornalismo do século 21. Merece ser saudada pela
sociedade e pelos jornalistas.
Na chegada, eu pensava ter
muito a dizer. Ao partir, sei
que tenho muito a ouvir.
Gostaria de ter falado de outros assuntos, dos anúncios de
prostituição aos interesses
cruzados do jornal. Fica para
outra vez.
Pelo ano em que fui feliz,
agradeço à confiança que a direção da Folha depositou em
mim. Tive liberdade para escrever o que quis. Uma executiva me disse que o jornal precisava de um "ombudsman
crítico". Tentei desempenhar
escrupulosamente a missão.
Sou muito grato à minha supersecretária, Rosângela Pimentel, e ao meu assistente, o
futuro jornalista Carlos Murga. Na Secretaria de Redação,
devo a Suzana Singer e Alba
Bruna Campanerut.
Na editoria de Arte, a Fábio
Marra e Julia Monteiro. Ao
colocar a coluna no papel e me
salvar de vexames maiores,
Vanessa Alves coordenou um
time talentoso e generoso.
Minha gratidão maior é para quem me deu lições inestimáveis -hoje à noite, em casa
ou na rua, não esquecerei o
brinde aos leitores da Folha.
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Mário Magalhães é o ombudsman da Folha desde 5 de abril de 2007. O ombudsman tem mandato de um ano, renovável por mais dois. Não pode ser demitido durante o exercício da função e tem estabilidade por seis meses após deixá-la. Suas atribuições são criticar o jornal sob a perspectiva dos leitores, recebendo e verificando suas reclamações, e comentar, aos domingos, o noticiário dos meios de comunicação.
Cartas: al. Barão de Limeira 425, 8º andar, São Paulo, SP CEP 01202-900, a/c Mário Magalhães/ombudsman,
ou pelo fax (011) 3224-3895.
Endereço eletrônico: ombudsman@uol.com.br. |
Contatos telefônicos:
ligue 0800 0159000; se deixar recado na secretária eletrônica, informe telefone de contato no horário de atendimento, entre 14h e 18h, de segunda a sexta-feira. |
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