|
Índice
Ilustríssima desconhecida
Novo suplemento cultural da Folha, apresentado em linhas genéricas, ainda precisa dizer a que veio
O novo caderno de cultura do jornal
ainda não fez jus ao superlativo que
carrega no nome. No Ilustríssima,
nada é novíssimo, nada remete ao
"jornal do futuro", atual obsessão
da Folha. No afã de mudar, descartou-se uma marca forte -Mais!-,
que circulava havia 18 anos, sem se
ter clareza do que colocar no lugar.
O suplemento dominical foi anunciado em linhas bem genéricas: narrativa de alta qualidade, desprovida
de jargões acadêmicos, textos de ficção, poesia e ensaios, entremeados
de cartuns e quadrinhos.
Os órfãos do Mais! reagiram imediatamente, antes mesmo de ver o
novo caderno. Temiam o que eles
chamam de "predomínio da cultura
pop" ou uma "simplificação rasa do
conteúdo". Não foi o que aconteceu
-para o bem e para o mal.
Os dois primeiros números trouxeram nas capas reportagens longas sobre assuntos que poderiam
estar em Cotidiano -crack e hiperatividade em crianças- e que, apesar de bem escritas e amarradas,
não traziam nenhuma novidade
nem tinham caráter ensaístico.
Apostar em reportagens que mereçam 400 cm de texto implica deixar repórteres meses investindo em
apenas um assunto, como faz a revista "New Yorker", uma das publicações que inspiraram o Ilustríssima (as outras são o "New York Review of Books" e o site "Arts & Letters Daily").
A edição de hoje inverte as expectativas e traz, na capa e na contracapa, uma história em quadrinhos
futurista. Não é uma ideia propriamente inovadora -só para citar um
exemplo memorável, o Mais!, há
seis meses, publicou "A Origem das
Espécies", de Charles Darwin, em
quadrinhos feitos por Fernando
Gonsales, o criador do Níquel Náusea, que também é biólogo.
Havia, naquela ocasião, um
"gancho", um motivo para o material jornalístico, que eram os 150
anos da obra de Darwin. Por que
agora uma São Paulo de 3014? O
Ilustríssima não explica.
O novo caderno dispensou colunistas -Jorge Coli, Marcelo Leite e
Marcelo Gleiser, este transferido para Ciência- para, segundo a Secretaria de Redação, "fazer desse um
espaço em constante renovação, em
que o leitor seja positivamente surpreendido a cada edição".
Para dar uma cara a uma proposta tão volátil, investe-se em capas
gráficas: xilogravuras para o crack,
ilustrações de Guto Lacaz para hiperatividade e, agora, quadrinhos. A
aposta é arriscada. Apesar da alta
qualidade do que se produziu (a
ilustração de Waltercio Caldas, nas
páginas centrais de hoje, surpreende), grandes desenhos "gelam" o
material -fotografias, ao contrário,
tendem a aumentar a temperatura
do que se publica.
Não se trata de condenar o recém-nascido caderno nem de enaltecer os mortos -o Mais! poderia
estar mesmo com sua fórmula esgotada- , mas de cobrar do Ilustríssima que diga a que veio.
Como bom suplemento cultural,
ele deve "despertar o desejo de
guardá-lo em uma caixa de papelão", como definiu a leitora Sirlene
Bernardo, que tem 300 exemplares
do Mais! em sua casa. Ou, como
combina mais com o jornal do futuro, transformá-lo em bites e arquivá-lo para sempre em um iPad.
NEUTRALIDADE RADICAL
A Folha foi bem na cobertura do
ataque ao navio com manifestantes pró-palestinos. Sem deixar de
publicar todas as reações negativas internacionais, Mundo deu
voz a diferentes visões israelenses.
Logo no dia seguinte ao incidente, artigo do embaixador de Israel
no Brasil trazia a versão oficial e
uma reportagem do correspondente descrevia uma manifestação
da direita nacionalista. Depois, o
escritor Amós Oz exprimiu a frustração dos judeus da chamada esquerda engajada.
O único erro aconteceu na quarta-feira, quando o título principal
de Mundo foi "Massacre põe em
xeque bloqueio em Gaza". A se
considerar o que diz o governo israelense, não dá para chamar o
ocorrido de "massacre".
O conflito palestino no Oriente
Médio sempre provoca reações iradas de leitores. As posições são tão
exacerbadas que mesmo a isenção
é vista como suspeita. Todo cuidado é pouco.
O VÍRUS DO DENUNCISMO
Por dois dias, a Folha trouxe
problemas da Natura com o fisco.
Para o leitor desavisado, ficou a
impressão de que a empresa do vice de Marina Silva sonega impostos. Faltou mostrar que toda grande empresa tem passivo tributário
e que a lei vigente dá margens a diferentes interpretações.
Na quarta-feira, a reportagem
afirmava que, "apesar de cultivar a
imagem de politicamente correta,
a companhia é alvo de ações cíveis
e trabalhistas". Se toda empresa
que tiver uma disputa com um ex-empregado for tachada de incorreta, não sobrará uma em pé.
Faz todo sentido investigar a empresa de quem pretende ser vice-presidente do Brasil, mas precisa
fazer reportagem de verdade.
Índice
Suzana Singer é a ombudsman da Folha desde 24 de abril de 2010. O ombudsman tem mandato de um ano, renovável por mais dois. Não pode ser demitido durante o exercício da função e tem estabilidade por seis meses após deixá-la. Suas atribuições são criticar o jornal sob a perspectiva dos leitores, recebendo e verificando suas reclamações, e comentar, aos domingos, o noticiário dos meios de comunicação.
Cartas: al. Barão de Limeira 425, 8º andar, São Paulo, SP CEP 01202-900, a/c Carlos Eduardo Lins da Silva/ombudsman,
ou pelo fax (011) 3224-3895.
Endereço eletrônico: ombudsman@uol.com.br. |
Contatos telefônicos:
ligue 0800 0159000; se deixar recado na secretária eletrônica, informe telefone de contato no horário de atendimento, entre 14h e 18h, de segunda a sexta-feira. |
|