São Paulo, domingo, 06 de junho de 2010

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Ilustríssima desconhecida

Novo suplemento cultural da Folha, apresentado em linhas genéricas, ainda precisa dizer a que veio

O novo caderno de cultura do jornal ainda não fez jus ao superlativo que carrega no nome. No Ilustríssima, nada é novíssimo, nada remete ao "jornal do futuro", atual obsessão da Folha. No afã de mudar, descartou-se uma marca forte -Mais!-, que circulava havia 18 anos, sem se ter clareza do que colocar no lugar.
O suplemento dominical foi anunciado em linhas bem genéricas: narrativa de alta qualidade, desprovida de jargões acadêmicos, textos de ficção, poesia e ensaios, entremeados de cartuns e quadrinhos.
Os órfãos do Mais! reagiram imediatamente, antes mesmo de ver o novo caderno. Temiam o que eles chamam de "predomínio da cultura pop" ou uma "simplificação rasa do conteúdo". Não foi o que aconteceu -para o bem e para o mal.
Os dois primeiros números trouxeram nas capas reportagens longas sobre assuntos que poderiam estar em Cotidiano -crack e hiperatividade em crianças- e que, apesar de bem escritas e amarradas, não traziam nenhuma novidade nem tinham caráter ensaístico.
Apostar em reportagens que mereçam 400 cm de texto implica deixar repórteres meses investindo em apenas um assunto, como faz a revista "New Yorker", uma das publicações que inspiraram o Ilustríssima (as outras são o "New York Review of Books" e o site "Arts & Letters Daily").
A edição de hoje inverte as expectativas e traz, na capa e na contracapa, uma história em quadrinhos futurista. Não é uma ideia propriamente inovadora -só para citar um exemplo memorável, o Mais!, há seis meses, publicou "A Origem das Espécies", de Charles Darwin, em quadrinhos feitos por Fernando Gonsales, o criador do Níquel Náusea, que também é biólogo.
Havia, naquela ocasião, um "gancho", um motivo para o material jornalístico, que eram os 150 anos da obra de Darwin. Por que agora uma São Paulo de 3014? O Ilustríssima não explica.
O novo caderno dispensou colunistas -Jorge Coli, Marcelo Leite e Marcelo Gleiser, este transferido para Ciência- para, segundo a Secretaria de Redação, "fazer desse um espaço em constante renovação, em que o leitor seja positivamente surpreendido a cada edição".
Para dar uma cara a uma proposta tão volátil, investe-se em capas gráficas: xilogravuras para o crack, ilustrações de Guto Lacaz para hiperatividade e, agora, quadrinhos. A aposta é arriscada. Apesar da alta qualidade do que se produziu (a ilustração de Waltercio Caldas, nas páginas centrais de hoje, surpreende), grandes desenhos "gelam" o material -fotografias, ao contrário, tendem a aumentar a temperatura do que se publica.
Não se trata de condenar o recém-nascido caderno nem de enaltecer os mortos -o Mais! poderia estar mesmo com sua fórmula esgotada- , mas de cobrar do Ilustríssima que diga a que veio.
Como bom suplemento cultural, ele deve "despertar o desejo de guardá-lo em uma caixa de papelão", como definiu a leitora Sirlene Bernardo, que tem 300 exemplares do Mais! em sua casa. Ou, como combina mais com o jornal do futuro, transformá-lo em bites e arquivá-lo para sempre em um iPad.

NEUTRALIDADE RADICAL
A Folha foi bem na cobertura do ataque ao navio com manifestantes pró-palestinos. Sem deixar de publicar todas as reações negativas internacionais, Mundo deu voz a diferentes visões israelenses.
Logo no dia seguinte ao incidente, artigo do embaixador de Israel no Brasil trazia a versão oficial e uma reportagem do correspondente descrevia uma manifestação da direita nacionalista. Depois, o escritor Amós Oz exprimiu a frustração dos judeus da chamada esquerda engajada.
O único erro aconteceu na quarta-feira, quando o título principal de Mundo foi "Massacre põe em xeque bloqueio em Gaza". A se considerar o que diz o governo israelense, não dá para chamar o ocorrido de "massacre".
O conflito palestino no Oriente Médio sempre provoca reações iradas de leitores. As posições são tão exacerbadas que mesmo a isenção é vista como suspeita. Todo cuidado é pouco.

O VÍRUS DO DENUNCISMO
Por dois dias, a Folha trouxe problemas da Natura com o fisco. Para o leitor desavisado, ficou a impressão de que a empresa do vice de Marina Silva sonega impostos. Faltou mostrar que toda grande empresa tem passivo tributário e que a lei vigente dá margens a diferentes interpretações.
Na quarta-feira, a reportagem afirmava que, "apesar de cultivar a imagem de politicamente correta, a companhia é alvo de ações cíveis e trabalhistas". Se toda empresa que tiver uma disputa com um ex-empregado for tachada de incorreta, não sobrará uma em pé.
Faz todo sentido investigar a empresa de quem pretende ser vice-presidente do Brasil, mas precisa fazer reportagem de verdade.



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