São Paulo, domingo, 08 de março de 2009

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CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA
ombudsman@uol.com.br

A Justiça e a liberdade de expressão


Caso de criança cuja guarda é disputada por pai americano e padrasto brasileiro mostra como a Justiça tem sido instrumento de cerceamento

NO DIA 16 de setembro do ano passado, a Folha publicou uma reportagem intrigante e dramática sobre o caso de um garoto, filho de pai americano e mãe brasileira, trazido ilegalmente por ela ao país em 2004.
Os dois disputaram na Justiça de seus países a guarda da criança. A dos EUA decidiu que ela deveria voltar para lá; a do Brasil, que ficasse aqui.
O episódio ganhou contornos ainda mais comoventes porque a mãe morreu em agosto de 2008 e o padrasto pediu à Justiça do Rio que o nome do pai biológico fosse substituído pelo seu na certidão de nascimento do menino.
O texto tinha tons misteriosos por avisar que todos os nomes citados eram fictícios, mas não explicar explicitamente o porquê, embora indicasse que a razão era o caso correr em "segredo de Justiça", alegada pelos advogados de mãe e padrasto para não falar ao jornal.
A história voltou a aparecer em 20 de setembro, quando o pai foi impedido pela Justiça do Rio de visitar o filho, de oito anos, a quem não via desde que partira dos EUA com a mãe.
Em 27 de setembro, outra nota pequena informava que a Advocacia Geral da União ajuizara ação na Justiça Federal do Rio para pedir que o garoto fosse devolvido ao pai. Depois, silêncio na Folha.
Em novembro, a revista "Piauí" abriu tudo: nomes reais dos personagens, fotos de vários deles, detalhes. E revelou que o caso havia se tornado um sucesso na grande mídia americana e na internet e podia ganhar dimensões de Estado, já que o governador de Nova Jersey, senadores e o embaixador americano em Brasília se mobilizaram em favor do pai.
A Folha, no entanto, não voltou mais ao tema, exceto por uma curtíssima nota em 12 de fevereiro que informava que o Superior Tribunal de Justiça decidira que o caso passaria a ser julgado pela Justiça federal.
Nas últimas semanas, circularam informações por diversos meios de que o presidente Lula seria alvo de protestos devido ao caso em sua visita a Washington na semana que vem e de que o presidente Obama o interpelaria sobre ele.
Nesta quinta, após a secretária de Estado Hillary Clinton pronunciar-se publicamente a respeito, o jornal afinal retomou o assunto com destaque e com os nomes reais dos personagens da notícia.
Na sexta, depois de o pai do garoto ter aparecido no programa de Larry King, na CNN, o jornal publicou entrevista com seu advogado.
Perguntei à Secretaria de Redação por que, após ter dado um furo, o jornal o abandonara, apesar de saber do interesse que ele despertava. A resposta foi: "Há uma decisão da Justiça do Rio, do final de setembro, que proíbe a Folha de se referir aos fatos contidos no processo da Justiça estadual, que corre em sigilo. A Folha recorre".
Ao jornal, como a todos, cabe cumprir decisões da Justiça, embora possa (e deva), em circunstâncias excepcionais (não me parece que este caso se encaixe no conceito) praticar desobediência civil.
Este relato é apenas um exemplo de como a Justiça tem sido com frequência no Brasil recente um instrumento de cerceamento da liberdade de expressão e de imprensa.
São diversos os episódios em que instâncias judiciárias impõem censura prévia, apreendem edições, retiram sites do ar, coagem jornalistas por razões muitas vezes casuísticas, de interesse pessoal dos magistrados ou totalmente absurdas.


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