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Bush e as fontes alternativas
A iniciativa da Folha de buscar fontes novas é um alento: são visíveis a pobreza de nomes a que a imprensa recorre e a ausência do contraditório
A FOLHA DISTRIBUIU
nesta semana um comunicado a todos os editores solicitando que preparem
uma relação das áreas de cobertura jornalística que consideram mais importantes sob sua
responsabilidade. A partir desta definição o jornal pretende
compor listas de fontes de informação para cada um dos setores elegidos.
De acordo com o comunicado, assinado pelo secretário de
Redação de Produção, Vaguinaldo Marinheiro, um levantamento interno demonstrou
que o jornal consulta poucas
fontes para a realização de reportagens. "Mostrou também
que ouvimos sempre as mesmas pessoas", segundo o texto.
"A intenção é enriquecer ao
máximo essas relações [de fontes] para que possamos diversificar as vozes no jornal."
A iniciativa é bem-vinda. Em
primeiro lugar, porque o jornal
tem, entre os seus compromissos editoriais, o pluralismo, assim justificado: "Numa sociedade complexa, todo fato se
presta a interpretações múltiplas, quando não antagônicas.
O leitor da Folha deve ter assegurado seu direito de acesso a
todas elas. Todas as tendências
ideológicas expressivas da sociedade devem estar representadas no jornal".
Em segundo lugar, porque o
diagnóstico da Secretaria de
Redação está certo: é visível a
pobreza de fontes a que a imprensa em geral recorre; salta
aos olhos a ausência do contraditório nas reportagens; e é
desconcertante a repetição dos
mesmos "especialistas" de
sempre.
O caso etanol
A visita do presidente George
W. Bush ajuda a exemplificar o
tamanho e a gravidade do problema que a Folha pretende
enfrentar. Não tenho condições de analisar a cobertura de
ontem e de hoje porque escrevo a coluna na sexta-feira. Mas
a análise dos textos publicados
de 1º de março até anteontem
-o período de preparação e
apresentação da viagem- mostra que ela teve alguns poucos
focos: as negociações em torno
do álcool combustível, a incômoda presença do presidente
Hugo Chávez, da Venezuela, a
política dos Estados Unidos para a América Latina e as questões relativas a segurança, organização da viagem e transtornos em São Paulo. Esses foram os principais eixos da cobertura.
De 89 textos (reportagens,
notas, artigos e editoriais) que
analisei, 30 se referiam de alguma maneira ao etanol. Praticamente todos tinham o mesmo
ponto de vista, de que o biocombustível será a saída econômica para o Brasil e, quiçá,
para a humanidade. Independentemente das divergências
com os Estados Unidos em relação à taxação do álcool exportado pelo Brasil, a maioria absoluta dos textos não abriu espaço para os questionamentos
de economistas, agricultores e
ambientalistas que têm objeções à expansão desmesurada
da exploração da cana-de-açúcar para a fabricação do álcool.
"Há uma euforia no governo",
registrou uma das reportagens
da Folha. Pode-se dizer que o
ânimo é o mesmo na imprensa.
Encontrei pouquíssimos registros de opiniões divergentes,
céticas ou, pelo menos, preocupadas com a tal euforia. A manifestação mais importante virou uma nota insignificante:
"Para ONU, álcool é ameaça à
Amazônia - Achim Steiner, do
Programa das Nações Unidas
para o Meio Ambiente, teme
que, para suprir a demanda internacional, áreas da floresta
sejam usadas para o plantio de
cana-de-açúcar" (6/3).
O colunista Vinicius Torres
Freire registrou em dois artigos que "a preocupação ambiental cresce" e deixou as perguntas: "Há risco ambiental na
expansão da cana? Pior de tudo: o que vai ser dos milhões de
empregados e desempregados
pelo setor, com o avanço das
máquinas de colheita e com a
míngua da pequena lavoura?"
Joseph Stiglitz, Prêmio Nobel
de Economia, em entrevista ao
jornal mencionou que "há
preocupações entre os ambientalistas de que a demanda por
álcool vai fazer aumentar a demanda por terra" e que "como
em tudo, quando você resolve
um problema, pode criar novo
leque de problemas".
Nem mesmo nos protestos
contra a visita de Bush as vozes
discordantes puderam se expressar. Há a informação de
que várias organizações condenaram as negociações com os
EUA em torno do álcool, há as
aspas de um bispo dizendo que
a perspectiva é "sinistra", mas
não há espaço para os argumentos. Em um relato de uma
das manifestações, o jornal
chega a escrever que "eles protestaram contra (...) a cana-de-açúcar", como se isso tivesse alguma lógica. A impressão que
os textos dos jornais passaram
foi que se tratava de bandos de
malucos radicais.
Outros casos
O problema não é só da Folha. Vários estudos feitos por
organizações que observam o
trabalho da imprensa registram a nossa miséria. Alguns
exemplos. O Cesec (Centro de
Estudos de Segurança e Cidadania), da Universidade Candido Mendes, analisou a cobertura de crime e violência em
nove jornais de São Paulo, Rio
e Minas durante cinco meses
de 2004 e concluiu que somente 36,4% dos textos registravam mais de uma fonte,
10,5% continham opiniões divergentes e 32,5% se baseavam apenas na polícia.
Outra pesquisa feita pelo
mesmo instituto com oito jornais do Rio em 2006 teve resultado similar: 36,5% dos textos tinham mais de uma fonte
e apenas 8,4% continham opiniões divergentes. Mesmo
num jornal como "O Globo",
com perfil mais próximo da
Folha, o resultado deixa a desejar: 47% dos textos analisados tinham só uma fonte e
apenas 13,1% traziam opiniões
variadas. Em jornais populares, como "O Povo", o índice
de reportagens com opiniões
divergentes é de 4,6%.
A Andi (Agência de Notícias
dos Direitos da Infância) fez 17
pesquisas em jornais desde
2000 para avaliar as coberturas de temas sociais (como
drogas, direitos humanos, cidadania, saúde, deficiências físicas, educação) e de outros,
como o uso de transgênicos.
Uma ponderação das pesquisas resultou que apenas
10,12% dos textos analisados
abrigavam opiniões divergentes e 89,88% eram monocórdios. O maior índice encontrado de pluralidade foi na cobertura do uso de transgênicos,
que chegou a 36,5%.
Na cobertura sobre drogas,
apenas 8,4% dos textos analisados apresentavam para os
leitores mais de um ponto de
vista. Outro assunto polêmico
-políticas públicas de comunicação- tem tratamento semelhante: 84,3% dos textos
não exploravam os enfrentamentos que o tema suscita na
sociedade.
Pluralismo
Enfim, a iniciativa da Folha
de buscar fontes novas e diversificadas para o apoio da
Redação é um alento. Fiz
questão de fazer o registro para que as instituições, organizações e vozes que hoje não
encontram espaço no jornal
para opinião ou para a difusão
de informações possam se
apresentar.
As mensagens dirigidas ao
ombudsman com identificação do remetente e dados objetivos sobre especializações
ou sobre áreas de atuação serão encaminhadas para a Redação com a esperança de que
possam contribuir para a produção de um jornalismo de fato pluralista.
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Marcelo Beraba é o ombudsman da Folha desde 5 de abril de 2004. O ombudsman tem mandato de um ano, renovável por mais dois. Não pode ser demitido durante o exercício da função e tem estabilidade por seis meses após deixá-la. Suas atribuições são criticar o jornal sob a perspectiva dos leitores, recebendo e verificando suas reclamações, e comentar, aos domingos, o noticiário dos meios de comunicação.
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