São Paulo, domingo, 11 de julho de 2004

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OMBUDSMAN

Imprensa, gênero masculino

MARCELO BERABA

O "Painel do Leitor" da Folha recebe cerca de 600 cartas e e-mails por semana. Com o espaço que tem, duas colunas diárias na página A3, o aproveitamento é muito pequeno, não chega a 10%. Isso gera muita frustração e o ombudsman volta e meia recebe manifestações de leitores insatisfeitos com as dificuldades que encontram para publicar suas opiniões.
A reivindicação por mais espaço não é nova e já deve ter sido tratada, sem êxito, por outros ombudsmans. Mas me chamou a atenção, nesta semana, uma cobrança diferente, vinda de Belo Horizonte e assinada pela professora Modesta Trindade Theodoro.
Ela se deu ao trabalho de contar quantas cartas publicadas na Folha e em dois jornais de Minas, "Em Tempo" e "Estado de Minas", eram assinadas por mulheres. Foram só quatro dias de pesquisa, entre os dias 1º e 4 de julho, mas o resultado foi significativo.
A professora contou 84 cartas publicadas nos três jornais. Resultado: 77% eram assinadas por homens e 23%, por mulheres. Resolvi estender o levantamento, na Folha, para uma semana completa, de sábado, dia 3, à sexta, dia 9. O resultado foi semelhante. O jornal publicou 57 cartas no seu "Painel do Leitor", sendo 43 assinadas por homens (75%) e 14 (25%) por mulheres.
Pesquisei nos dois concorrentes diretos, e o resultado foi bem parecido. No mesmo período, "O Estado" publicou 87 cartas nas suas duas seções, "Fórum dos Leitores" e "Fórum de Debate": 65 assinadas por homens (75%) e 22 por mulheres (25%). No "Globo", foram 137 cartas, sendo 108 de homens (79%) e 29 (21%) de mulheres.

E as articulistas?
Mas a curiosidade da professora Theodoro não se limitou às cartas. Ela foi conferir os artigos de opinião que esses jornais publicam e encontrou um quadro ainda mais masculino. De 55 artigos que contou nos três jornais naqueles quatro dias, 50 eram assinados por homens (91%) e apenas cinco por mulheres (9%).
Apliquei o mesmo critério na Folha, mas me limitei aos artigos da página A3, em "Tendências e Debates". O jornal publica artigos em vários espaços diariamente, mas aquela é a página nobre destinada a "estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais" e a "refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo".
São dois artigos por dia, raramente um único texto ocupa toda a página. No período que observei, foram publicados 14 artigos, todos assinados por homens. Todos. O último artigo assinado por uma mulher saiu na sexta-feira, dia 2, de Maria Sylvia Carvalho Franco, professora de Filosofia da Unicamp e da USP, "Lula e cultura popular". Na sexta anterior, 25 de junho, saíra "O Brasil na França", da escritora e psicanalista Betty Milan.
A situação nos dois concorrentes é absolutamente igual. Na semana pesquisada, "O Estado" publicou 14 artigos no seu "Espaço Aberto" e "O Globo", 15 (não incluí os articulistas fixos). Todos assinados por homens.
Levantamento feito pela Coordenação de Artigos e Eventos da Folha, responsável pela edição dos artigos, revela que nos últimos 365 dias foram publicados 730 artigos e apenas 63 foram assinados por mulheres. Ou seja, 9%, o mesmo percentual descoberto pela professora Theodoro.

Problemas distintos
As conversas que tive com os responsáveis pelo "Painel do Leitor", Luiz Antônio Del Tedesco, e pelos artigos, Fábio Chiossi, mostram que são dois fenômenos diferentes.
O caso dos artigos é única e exclusiva responsabilidade dos jornais. Embora eles aceitem colaborações, a maioria dos artigos que publicam é por encomenda. Segundo Chiossi, a edição dos artigos não segue uma política de cotas de gênero, mas tem como critério o cargo, a representatividade e a qualidade do texto do articulista. "A mínima participação de mulheres não é intencional", diz.
Não é possível que não existam nas universidades, nos institutos especializados e nas ONGs igual número de mulheres com conhecimento e qualidade de texto que possam escrever nos jornais. Não é uma questão de intenção, mas de política editorial e de vontade.
O problema das cartas é diferente porque, pelo levantamento feito por Tedesco, é pequeno o número de cartas que chegam assinadas por mulheres. Na quinta, véspera do feriado paulista, ele recebeu 68 cartas e e-mails. Destas, apenas nove (13%) foram enviadas por mulheres.
E por que as mulheres escrevem tão pouco para os jornais? Na carta que enviou, a professora Theodoro levanta três possibilidades, em forma de perguntas: "Cartas e artigos são enviados e rejeitados? As mulheres não gostam de escrever (para essas seções)? Ou elas não têm tempo?".
Não sei. O jornal é tradicionalmente identificado com o público masculino, mas isso vem mudando com os anos. O último Perfil do Leitor da Folha, realizado em 2000, mostrou que metade dos leitores do jornal é formada por mulheres.
A Folha deveria refletir um pouco sobre essa situação se quer estar em sintonia com o seu público e crescer. O "Painel do Leitor" é o que menos cartas publica entre os três grandes jornais. Assim como os dois concorrentes, quase todos os dias o pequeno espaço é ocupado parcialmente por direitos de resposta, e não por opiniões de leitores e leitoras.
O jornal deveria abrir mais espaço com a preocupação de que a edição das cartas reflita equilíbrio e diversidade.


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Marcelo Beraba é o ombudsman da Folha desde 5 de abril de 2004. O ombudsman tem mandato de um ano, renovável por mais dois. Não pode ser demitido durante o exercício da função e tem estabilidade por seis meses após deixá-la. Suas atribuições são criticar o jornal sob a perspectiva dos leitores, recebendo e verificando suas reclamações, e comentar, aos domingos, o noticiário dos meios de comunicação.
Cartas: al. Barão de Limeira 425, 8º andar, São Paulo, SP CEP 01202-900, a/c Marcelo Beraba/ombudsman, ou pelo fax (011) 224-3895.
Endereço eletrônico: ombudsman@uol.com.br.
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