São Paulo, domingo, 11 de setembro de 2011

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OMBUDSMAN

SUZANA SINGER ombudsman@uol.com.br - @folha_ombudsman

A MÃO PESADA DA EDIÇÃO


Ao acusar a Folha de falta de ética, Battisti e seus amigos ignoram o verdadeiro erro do jornal


"SENHORA, a Itália me massacrou. No Brasil, tive que me explicar a todos os que me apoiam, um a um." Com um marcante sotaque italiano, Cesare Battisti descreve a repercussão da reportagem publicada no domingo passado na Folha.
O texto, sobre a nova vida do ex-terrorista, colocou fogo no tiroteio ideológico que envolve o caso. Na Primeira Página, uma foto de Battisti soltando uma gargalhada com uma cerveja na mão e o título "La dolce vita 'clandestina'". Em Poder, mais duas fotos e "Revolução? Isso é uma piada".
A repercussão foi feroz. Battisti e amigos acusam a Folha de três desvios éticos: 1) o repórter teria aproveitado relações familiares para ganhar a confiança do ex-fugitivo; 2) a equipe teria levado o entrevistado ao bar; 3) o jornal revelou que ele vive em Cananeia, rompendo um acordo para preservá-lo.
A primeira acusação é pueril. Battisti, 56, não é um desavisado, abordado por um repórter sedutor. Desde que o seu caso estourou, acompanha a imprensa brasileira e sabe bem os riscos embutidos em abrir sua morada a um jornalista. Ao contrário, seria antiético se o repórter, para agradar a um parente, tivesse feito um texto laudatório. Sobre o segundo ponto, a Folha afirma que foi iniciativa do entrevistado entrar no bar, o que ele nega. "Senhora, é a última coisa que eu faria, não sou um idiota."
Tanto faz de quem foi a ideia: o importante é que o entrevistado viu que estava sendo fotografado (ele olha para a câmera), não foi vítima de um paparazzo.
O sigilo a respeito da cidade onde ele vive foi, de fato, quebrado, mas, dois dias antes da publicação, o repórter consultou o dirigente sindical Magno de Carvalho, o dono da casa onde Battisti está. A informação havia vazado na internet e Carvalho concordou que não havia mais segredo a preservar.
Tudo isso não significa que a Folha tenha razão, mas a crítica se dá pelos motivos errados. Joga-se na confusão para atingir a credibilidade do jornal.
A reportagem está correta, mas a mão pesada da edição estragou o resultado. O corte dado à foto original amplia o entrevistado e a sua cerveja, fazendo com que a risada, ao lado do "la dolce vita clandestina", soe como um deboche.
O texto não suporta esse título: ele mora em uma casa modesta, vive quase sem dinheiro, isolado, com medos persecutórios. Sua vida só é doce para os que acreditam que Battisti deveria estar na prisão.
Na página interna, aparece outra foto dele bebendo, desta vez uma cachaça. Redundante, só faria sentido se houvesse algum indício de alcoolismo, o que não é o caso.
O título -"Revolução? Isso é uma piada"- omite a palavra "armada", o que passa a impressão de que ele desistiu de qualquer luta social. Como diz Battisti, ele ficou mal com a "direita" e com a "esquerda".
Em dez editoriais, ao longo de dois anos, a Folha defendeu duramente a extradição. "O caso (...) ilustra de forma exemplar o mau hábito, desenvolvido nos últimos oito anos, de submeter decisões de política externa às conveniências paroquiais de adular certa militância esquerdista que apoia o governo", dizia o texto de janeiro deste ano.
Nenhum problema nisso. O jornal deve defender suas posições no espaço correto. Só não pode deixar que a opinião contamine o noticiário, como aconteceu no domingo.


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Suzana Singer é a ombudsman da Folha desde 24 de abril de 2010. O ombudsman tem mandato de um ano, renovável por mais dois. Não pode ser demitido durante o exercício da função e tem estabilidade por seis meses após deixá-la. Suas atribuições são criticar o jornal sob a perspectiva dos leitores, recebendo e verificando suas reclamações, e comentar, aos domingos, o noticiário dos meios de comunicação.
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