São Paulo, domingo, 12 de janeiro de 2003

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Ainda o clone

O editor de Ciência, Marcelo Leite, envia réplica ao texto "Clone no palco", publicado no domingo passado, sobre como a Folha noticiou o anúncio, pela empresa Clonaid, do nascimento do suposto primeiro bebê clonado. A seguir, seus argumentos:
"1) O primeiro erro (do ombudsman) foi tentar apoiar-se num editorial para criticar o noticiário publicado uma semana antes, como se o primeiro constituísse uma admoestação aos autores do segundo.
Existe na Folha, como deve existir, uma separação entre opinião do veículo e as reportagens que publica, não devendo estas serem pautadas nem influenciadas por aquela.
Além disso, como o editorial não apresenta argumento algum que já não estivesse no noticiário, não seria despropositado supor que as reportagens e comentários publicados no calor da hora possam ter contribuído para a ponderação do texto de opinião do jornal.
2) O ombudsman acusa a Editoria de Ciência de "resvalar para o sensacionalismo" e de sucumbir "à lógica da notícia como espetáculo", apesar de "ciente das insuficiências resumidas dias depois no editorial". Diz que o jornal não abriu mão "de seu saudável ceticismo", mas ainda assim deu destaque "desproporcional" ao anúncio da Clonaid.
Como não se perguntou pela razão dessa aparente discrepância, deve ter concluído de antemão que os editores são néscios ou esquizofrênicos.
Como não me incluo em nenhuma das categorias, vejo-me constrangido a esclarecer-lhe por que não sucumbi(mos) à lógica da notícia como espetáculo: pela simples razão de que essa lógica é a de não fazer pensar, e todo nosso noticiário seguiu na direção oposta.
Não com juízos de valor peremptórios, como é lícito fazer num editorial, mas com informação, contextualização e análise.
3) O ombudsman poderia ter destacado esse diferencial do noticiário publicado pela Folha (repercussão ampla com cientistas, bioeticistas e religiosos, análise por um dos mais conhecidos filósofos brasileiros, frases e argumentos de pensadores do porte de um Jürgen Habermas e de um Francis Fukuyama), editado justamente para demonstrar o alcance cultural e extracientífico de um eventual clone humano, mas preferiu entregar-se a uma contabilidade menor de espaços e destaques.
Como os editores dos concorrentes brasileiros da Folha, seguiu o caminho mais fácil e óbvio, o de estribar-se apenas na autoridade alheia (a de editorialistas, no seu caso) e decidir-se pelo que parece mais prudente: noticiar envergonhadamente, como quem pede desculpas, aquele que pode vir a revelar-se como o fato mais importante de 2003 -se confirmado, repita-se mais uma vez, para que fique bem entendido-, o nascimento do primeiro clone humano.
4) Quem fez sensacionalismo foram os raelianos da Clonaid. A Folha noticiou -e criticou-, com o devido destaque, essa manifestação inaudita da "hybris" biotecnológica."
 
A definição do espaço a ser reservado a determinado assunto num jornal é um dos componentes essenciais de uma opção editorial. Reflete o valor atribuído à notícia em questão. Não é objeto de uma "contabilidade menor".
Continuo a acreditar, apesar das ponderações do editor, que houve excesso por parte da Folha no espaço dedicado ao fato e que, dessa forma, o jornal acabou por alimentar o jogo publicitário embutido no anúncio da Clonaid.



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