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Para ficar ao abrigo de desmentidos
Publicação da íntegra de entrevista pode dirimir dúvidas em casos em que a fonte contesta o que o repórter escreveu, como o do texto sobre Dilma
NO DOMINGO passado, escrevi na avaliação diária das edições
deste jornal sobre a reprodução na Primeira Página da ficha policial da ministra Dilma Rousseff na ditadura:
"Colocar como ilustração da
entrevista de um colega seu
[de Dilma] de luta armada a
ficha policial dela com foto
me parece uma forçada de
barra. O certo, a meu ver, seria colocar ali a foto de Antonio Espinosa."
Essa "forçada de barra"
(similar à de quarta, quando
o diretor da ANP [Agência
Nacional do Petróleo] Victor
Martins, acusado de irregularidades, foi identificado
em título de chamada e reportagem como "irmão de
Franklin" [Martins, ministro da Comunicação]) certamente contribuiu para leitores acharem que o jornal havia dito que Dilma planejara
o sequestro do então ministro Delfim Netto em 1969.
A reportagem receberia
críticas mais graves no decorrer da semana. Antonio
Roberto Espinosa, ex-dirigente do grupo VAR-Palmares, no qual a ministra militava, e principal fonte para o
texto publicado, contestou
parte de seu conteúdo.
A meu juízo, suas alegações mais sérias são: ele nega
ter dito que a ministra tinha
conhecimento do plano de
sequestrar Delfim (faz uma
distinção entre "informação
política", que ela pode ter tido, e "informação factual",
que ela não tinha) e que a
operação estava com data e
local definidos.
Com atraso de dois dias,
que eu julguei evitável com
alguma dose de flexibilidade,
a Folha publicou a contestação de Espinosa e a rebateu.
A Redação diz que todas as
declarações que comprovam
o que havia saído no domingo estão gravadas.
Recomendei ao jornal que
publicasse a transcrição da
gravação para dirimir dúvidas. Ela me respondeu o seguinte: "Não faz sentido reproduzir novamente as declarações de Espinosa. Elas
já estavam na reportagem de
domingo. (...) Consideramos
suficiente a publicação da
carta do entrevistado e a nota da Redação."
Eu mantenho a recomendação. A edição eletrônica
do jornal (Folha Online) não
tem limite de espaço como a
edição impressa. Pode tanto
publicar a transcrição da entrevista na íntegra quanto
reproduzi-la em áudio.
Afinal, um dos motivos
por que entrevistas (e esta,
pela sua importância, deveria ter sido feita pessoalmente, não por telefone) são
gravadas é para comprovar o
que o jornal publica. Como
diz o "Manual da Redação":
"O jornalista que usa gravador fica ao abrigo de desmentidos".
Que cada leitor a leia ou
escute e chegue às suas conclusões. E essas conclusões
certamente serão díspares
entre si porque cada pessoa
sempre entende o que quer
de qualquer discurso.
Recebi 58 mensagens de
leitores sobre esta reportagem. Cinco a consideraram,
conforme uma delas, "propaganda descarada que os
senhores proporcionaram a
Dilma". As outras 53 acharam que ela tentava prejudicar as aspirações presidenciais da ministra.
De qualquer modo, o jornal fica devendo ao leitor reportagens similares sobre as
atividades durante o regime
militar dos outros principais
pretendentes à Presidência
da República em 2010.
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