São Paulo, domingo, 12 de outubro de 2008

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Se o Sineiro diz três vezes, é verdade

Lewis Carroll, o autor de "Alice no País das Maravilhas", escreveu outra obra-prima, infelizmente menos conhecida no Brasil. É o poema "Caça ao Snark", destinado a crianças, como "Alice", mas com muitos ensinamentos a adultos dispostos a pensar.
Um grupo de caçadores sob o comando do errático Sineiro atravessa o oceano em busca do misterioso Snark, que pode ser -e no final se revela ser- de fato o Boojum. O poema parece absurdo, mas é cheio de significados.
O Sineiro impõe aos caçadores algumas leis. Uma é a seguinte: "O que eu disser três vezes é verdade". Simples e arbitrário assim: qualquer afirmação repetida três vezes pelo Sineiro é verdadeira.
Veículos de comunicação que se julgam pregoeiros de alguma missão -política, religiosa, cultural- tendem a se comportar como o Sineiro: proferem convicções e julgam que, pela repetição contínua, elas se tornam verdades.
Jornais, programas de rádio e TV, revistas, blogs, filmes, anúncios seguem essa receita. Às vezes com relativo sucesso, se a medida do êxito for o número de pessoas que acreditam nessas verdades.
Veja-se islamismo de Barack Obama. Pesquisa do Pew Research Center de setembro revela que 13% dos eleitores americanos crêem que o candidato do Partido Democrata é muçulmano.
Mensagens pela internet, blogs e outros meios controlados por ultraconservadores têm disseminado a alegação, sem base na realidade objetiva. E milhões de pessoas acreditam nela.
Como milhões acreditam na teoria de hiper-esquerdistas de que foi Bush quem ordenou os ataques de 11 de Setembro.
No bom jornalismo, não há lugar para o Sineiro. O jornalismo registra fatos, não firma dogmas; inspira a dúvida, não repete slogans; promove o debate, não proclama certezas. Afinal, o Snark pode ser o Boojum. E quem o descobre pode desaparecer.


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