São Paulo, domingo, 13 de outubro de 2002

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OMBUDSMAN

Rearranjos

BERNARDO AJZENBERG

Definida a passagem de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e de José Serra (PSDB) para o segundo turno, um dos principais desafios lançados à mídia, semana passada, era tão óbvio quanto trabalhoso: mostrar como será "o país indicado pelas urnas".
Os jornais priorizaram em suas manchetes o rearranjo de apoios e alianças locais, regionais e nacionais, com preocupação dirigida principalmente para o próximo dia 27.
A Folha também noticiou essa movimentação, mas adotou um comportamento diferenciado. Sua manchete na terça-feira foi "Oposição sai fortalecida das urnas". No dia seguinte, "Eleitor troca 47% dos deputados".
Claramente, o enfoque escolhido pelo jornal foi o de privilegiar o registro dos resultados eleitorais (com a publicação de listas de eleitos, tabelas e estatísticas) e interpretá-los, procurando exibir a nova "radiografia" política do país, em especial no Legislativo (Assembléias estaduais, Câmara dos Deputados e Senado).
Não foi o único veículo a fazê-lo, mas, corretamente, foi o que mais chamou a atenção para o tema nos primeiros dias da semana.
Constatação inicial: mudanças significativas e surpreendentes aconteceram, com destaque para o crescimento extraordinário da bancada do PT na Câmara, mas também dos evangélicos e da oposição em geral; a redução dos ruralistas; o avanço da presença feminina no Parlamento; a derrocada de velhos caciques regionais, entre outras.
Ainda mais relevante: nem Lula nem Serra, na nova formatação, terão, em tese, maioria garantida no Congresso -e, como se sabe, são enormes as consequências disso para aquilo que os analistas chamam de "governabilidade", ao menos num ambiente democrático.
Segunda constatação, derivada da anterior: mantendo um vício de eleições anteriores, a imprensa errou nitidamente, Folha inclusive, ao deixar de lado ao longo do ano a cobertura das disputas legislativas para priorizar, quase com exclusividade, a corrida pela Presidência.
Não fosse assim, vários dos fenômenos agora registrados -a começar, por exemplo, pela polêmica e histórica eleição das bancadas nacional e paulista do Prona, puxadas por Enéas Carneiro e Havanir Nimtz- não teriam pego tão de surpresa jornalistas e leitores.
A rigor, numa situação em que classificações ortodoxas do tipo direita/esquerda, reformistas/ conservadores tendem a ser simplistas, a nada explicar de fato, em que diferenciações expressivas se ampliam no interior de bancadas partidárias supostamente homogêneas, em que se formam regional e nacionalmente alianças das mais estapafúrdias ou imprevisíveis, numa situação como essa, a verdade é que o diagnóstico apenas começou a ser definido.
Muito ainda precisa ser esmiuçado e detalhado nesse terreno pela mídia, por analistas e cientistas políticos. Estão todos devendo, e bastante.
 
A Folha penou, durante a semana, ao rearranjar seus instrumentos para tentar cobrir com isenção o segundo turno da disputa pelo Planalto.
Duas edições, ao menos, foram afetadas por desequilíbrios.
Na quarta-feira (9), uma chamada na Primeira Página trazia o seguinte título: "Serra promete cargos para atrair ex-aliados".
A reportagem interna, porém, noticiava o desejo do tucano de governar com os partidos que o ajudarem -o que, diga-se, parece óbvio-, mas não registrava nenhum dado concreto que justificasse a conotação negativa, fisiológica daquele título.
Essa conotação, aliás, se ressaltava no contraste com a chamada mais "limpa" dedicada também na capa do jornal às articulações do adversário: "PT faz acordo com PPS e PDT para apoio a Lula".
O "troco" veio em dobro na sexta (11), quando o jornal mudou a manchete neutra do caderno Eleições da edição nacional ("Serra usa dólar para desafiar Lula; PT aponta "terrorismo eleitoral'") por uma nada imparcial na edição SP ("Serra ataca e diz que país pode virar Venezuela se Lula vencer").
Além disso, reservou todas as "cabeças" das páginas dedicadas no caderno à disputa Lula-Serra para títulos direta ou indiretamente favoráveis ao tucano:
"Serra usa alta do dólar para desafiar Lula", "Ermírio ataca "covardes" que mudam de lado" e "PTB alega "ódio" a Serra para apoiar Lula".
Todas as três chamadas da capa do jornal para eleições, nesse dia, continham esse mesmo tom.
Como comentei em crítica interna, priorizar, sob a forma de manchetes, declarações provocativas do tipo "Serra diz isso de Lula..." ou "Lula diz aquilo de Serra...", trocas de acusações ou insultos entre os candidatos não parece ser a melhor forma de cobrir a disputa eleitoral.
Se optar por uma linha como essa, privilegiando o declaratório, a retórica, o jornal corre o risco de contribuir para um rebaixamento do nível da campanha, ficar refém do marketing dos candidatos, além de, tecnicamente, construir uma armadilha para si próprio.
 
Um registro curioso, talvez resultante de atos falhos jornalísticos: com o que saiu na última sexta-feira, já são cinco, desde fevereiro, os "Erramos" publicados no jornal para corrigir o partido a que pertence o ex-candidato à Presidência da República Anthony Garotinho (PSB).
Nas páginas da Folha, ele já foi do PPB (correções publicadas em 2/2 e em 1/4), PPS (26/4), PSDB (21/9) e PL (11/10).
E ainda falta sair mais um, relativo à edição de quarta (10), na qual o ex-governador do Rio apareceu, de novo, como integrante do PPS.



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