São Paulo, domingo, 14 de outubro de 2007

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Uma tabelinha promíscua


Não cabe fazer de parlamentares os porta-vozes de esclarecimentos sobre informações produzidas pela Folha

A FOLHA publicou em alto de página da edição da quarta-feira o título "Gravação na tribuna constrange Renan". Seria mais precisa se reconhecesse que o episódio deveria também constranger o jornal.
Em atitude avessa aos valores e procedimentos consagrados no projeto editorial que se desenvolve desde os anos 1970, a Folha se associou a um político no ataque a outro. O jornal presenteou o senador Demóstenes Torres com a gravação da entrevista de um advogado.
A decisão abre um precedente grave no princípio de apartidarismo que o "Manual da Redação" fixa e no direito de o jornal manter em seu poder o áudio de entrevistas e diálogos. Quando alguém negar ter dito o que disse à Folha, todos os cidadãos poderão requisitar e receber as fitas.
Exagero? Aos fatos.
Um motivo determinante para a licença de Renan Calheiros do comando do Senado -anunciada, enfim, na quinta- foi a revelação de que um assessor seu tentou bisbilhotar os senadores Demóstenes Torres e Marconi Perillo.
No sábado 6 de outubro a Folha veiculou -infelizmente com discrição- a reportagem "Assessor de Renan é acusado de espionagem".
No mesmo dia, a revista "Veja" saiu com relato semelhante. Na véspera, o "Blog do Noblat" descrevera a andança do assessor de Renan, Francisco Escórcio, na alegada missão de araponga.
Já na terça passada o jornal vangloriou-se de pioneirismo ilusório: "O caso veio à tona depois que Demóstenes disse à Folha que seu amigo Pedrinho Abrão, empresário, se encontrou com Escórcio em Goiânia, no escritório de um advogado".
Abrão teria sido abordado por Escórcio -ou proposto, conforme a versão- para filmar os antagonistas de Renan em jatinhos de empresários. Outra frente do suposto espião seria grampear telefones.
Ainda no sábado 6, o jornal entrevistou o advogado Heli Dourado, em cujo escritório houve a reunião em Goiás. Ele confirmou que se falou em flagrar o senador Perillo em jatinhos. A Folha deu o "furo" no domingo ("Assessor tratou de espionagem, diz advogado").
Logo Heli Dourado negou as afirmações. Na última terça, Demóstenes reproduziu na tribuna do Senado a gravação da entrevista telefônica do repórter Leonardo Souza, da Sucursal de Brasília da Folha, com Dourado. Nela, o advogado diz o que o jornal transcreveu com exatidão.
Demóstenes entregou cópia da gravação à Corregedoria do Senado. Ou seja, a Folha terceirizou sua prerrogativa de apresentar ou não a fita.
O jornal tem recursos para reafirmar declarações: a resposta "elas estão gravadas"; publicar novas frases e a duração da conversa; divulgar o áudio na Folha Online.
Não cabe fazer de parlamentares os porta-vozes de esclarecimentos sobre informações produzidas pela Folha. Como a gravação interessava a Demóstenes, o jornal apareceu como partidário.
É evidente que Renan tem contra si, graças a robustos trabalhos jornalísticos, uma vastidão de armações documentadas. No entanto, se o ex-collorido pedisse, o jornal, em nome do equilíbrio, lhe daria uma gravação? Ceder a ele seria, igualmente, impróprio.
Políticos são objeto de fiscalização e fontes de informações, não aliados. Distância em relação a eles e ao poder em geral faz bem ao jornalismo. Promiscuidade, não.
A Redação afirmou: "A Folha errou ao ceder o áudio da entrevista ao senador. Embora não tivesse nenhum conteúdo inédito na fita -tudo havia sido publicado no jornal-, não cabe à Folha fornecer material a partes de conflito. [...] O repórter consultou a chefia, mas, por causa de um mal-entendido, foi autorizado a passar a fita ao senador".


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