São Paulo, domingo, 16 de março de 2008

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Deu no "New York Times'; e daí?


Não passa muito tempo sem que a Folha edite textos encorpados para anunciar o que o "Times" e outros veículos estrangeiros dizem sobre o Brasil

O furo que derrubou o governador local Eliot Spitzer, enrolado com uma rede de prostituição para endinheirados, renovou as evidências de que, a despeito de vexames recentes, o diário americano "The New York Times" mantém o vigor. Talvez seja a melhor fonte jornalística para se informar sobre os EUA, é dos melhores jornais do mundo.
Essa condição, contudo, não faz dele um papai-sabe-tudo sobre o Brasil. Muito pelo contrário, o "NYT" acumula enganos ao se arriscar a falar do Cristo Redentor com a mesma desenvoltura com que aborda a Estátua da Liberdade.
Entre os micos célebres, está a cascata de 2004 sobre a dita preocupação nacional com hábitos etílicos do presidente da República -o que não justifica o despropósito de Lula de querer expulsar o repórter.
No ano seguinte, o "Times" divulgou uma epidemia de obesidade. Na primeira página, estampou uma Garota de Ipanema com curvas renascentistas. Só que ela não era brasileira, mas tcheca.
O mesmo correspondente assinou reportagem que a Folha traduziu, "Índios da Amazônia recorrem contra a venda de seu DNA". No essencial, a notícia havia sido publicada uma década antes. Não foram cumpridos procedimentos como checar todas as informações e ouvir o "outro lado".
Não passa muito tempo sem que a Folha e parcela do jornalismo pátrio editem textos encorpados para alardear o que o "Times" e outras publicações estrangeiras pontificam acerca do Brasil.
O historiador britânico Kenneth Maxwell escreveu dias atrás: "Uma das coisas mais estranhas sobre o jornalismo brasileiro é o fato de que continue a conferir credibilidade àquilo que os jornais dos Estados Unidos, especialmente o "New York Times", têm a dizer sobre o país".
O colunista da Folha contou um fiasco do "NYT": do Reino Unido, o jornal narrou a campanha contra a caça à raposa. A correspondente não flagrou nenhum caçador ou sabujo, o cão que persegue e mata as raposas. Na mesma cidade, Maxwell viu quase 300 sabujos "inquietos" reunidos.
A jornalista apurou mal. Maxwell comentou, sobre os moradores: "Não estou certo de que saibam e muito menos se importem com o que seja o "New York Times". Uma boa lição para os brasileiros".
O jornal contou com grandes correspondentes aqui, como Tad Szulc e Alan Riding. Antes de nós, reconheceu importância em Chico Mendes.
Mas tratar com reverência cada citação ao país é sinal de submissão cultural e jornalística. Sugere provincianismo. Às vezes, o complexo de inferioridade impede que se note, por trás da grife do "Times", reportagens tecnicamente malfeitas sobre o Brasil.


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