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OMBUDSMAN
O nó na imprensa
MARCELO BERABA
Comentei, na semana passada ("As armas da imprensa"), a cobertura jornalística do
referendo do ponto de vista da
isenção. Em resumo, a minha
avaliação é a de que a imprensa,
majoritariamente a favor da
proibição da comercialização de
armas e munição, não consegue
esconder essa preferência nas reportagens que faz.
Há outro aspecto nesta cobertura que merece reflexão: a dificuldade que têm os jornais e as revistas (as TVs e rádios mais ainda)
em coberturas que exigem capacitação técnica e especialização. A
situação fica crítica quando os
meios são obrigados a acompanhar e a esclarecer para seus leitores, simultaneamente, vários temas complexos -como acontece,
neste momento, com o referendo
(que coloca a questão da segurança pública em discussão), a transposição do rio São Francisco, a seca na Amazônia e a febre aftosa- em meio à cobertura de uma
crise política longa e gravíssima.
Que efeitos reais o resultado do
referendo poderá ter na segurança pública? Afinal, o projeto da
transposição é bom ou ruim, o
Nordeste melhorará ou não com
a sua implementação? Como explicar a seca numa região coberta
de florestas e cortadas por grandes rios? O que provocou de fato o
ressurgimento da febre aftosa no
gado mais bem cuidado do país
do gado? As pessoas estão confusas e a imprensa nem sempre ajuda a esclarecer.
As causas
Atribuo a dificuldade de entender e explicar os assuntos complexos a várias razões. A primeira,
estrutural, é a própria formação
deficiente dos jornalistas, o que
não chega a ser uma exclusividade da profissão.
Outra razão é a resistência das
empresas e dos próprios jornalistas à especialização. É próprio do
jornalismo a valorização da capacidade de improviso, a convicção de que devemos estar preparados para enfrentar qualquer situação ou assunto e de que somos
generalistas. São atributos indispensáveis, mas os melhores jornalistas são os que, além disso, têm
uma ou mais áreas de especialização, o que implica domínio dos
conceitos, de legislações, de estudos, de políticas públicas e de fontes de informação.
A especialização das redações
vem ocorrendo de forma irregular. Algumas áreas estão bem
avançadas, principalmente no
jornalismo econômico e no jornalismo científico. Há ilhas de especialização na cultura, em áreas
como saúde, educação e ambiente, como exemplos. Mas, em momentos como agora, ficam flagrantes as lacunas nas redações.
Temos excelentes repórteres nas
ruas cobrindo a violência e a criminalidade, mas pouquíssimos
preparados para entender os aspectos sociais, políticos, econômicos e jurídicos da violência e da
criminalidade. Temos repórteres
corajosos, mas poucos que sabem
trabalhar com as estatísticas e
conseguem acompanhar os estudos especializados. Sabemos descrever uma ocorrência, mas não
estamos preparados para cobrar
das polícias eficácia nos procedimentos técnicos e de inteligência.
No caso do referendo, leitores e
telespectadores já devem estar
enlouquecidos. As leis, experiências e estatísticas de países como
EUA, Suíça e Austrália servem
para argumentos das duas correntes que disputam a consulta
popular, são usadas sem-cerimônia, e jornais e revistas têm dificuldades para avaliar o que é fato
e o que é manipulação. A Folha
anunciou para este domingo um
caderno especial sobre o referendo. Espero que me desminta.
Outro problema é o encolhimento das redações ao longo da
crise financeira das empresas jornalísticas nos últimos anos. As
equipes estão menores e, no caso
da Folha, menos especializadas.
O foco de febre aftosa numa fazenda de Mato Grosso do Sul foi
coberto à distância. O correspondente da Folha em Campo Grande, Hudson Corrêa, conhece bem
o assunto, mas está em Brasília
reforçando a equipe que acompanha a crise política. Sua ausência
foi preenchida por uma free-lance
que se saiu bem, mas até sexta-feira a cobertura era toda feita a
partir de Campo Grande e de
Brasília. O jornal não tinha ainda
conseguido deslocar um jornalista para Eldorado, a 446 km de
Campo Grande, onde ocorreu o
foco.
O caso da seca na Amazônia é
diferente. A repórter de Manaus,
Kátia Brasil, já vinha acompanhando a falta de chuvas desde
setembro e apontado que se avizinhava a maior estiagem dos últimos 30 anos na região. O jornal,
no entanto, não deu tanta importância. Desde o dia 8 de outubro
há registros quase diários da evolução da seca e de suas conseqüências, mas não há um investimento do jornal para entender o
aparente paradoxo do fenômeno.
A repórter deixou Manaus e se
embrenhou nos municípios isolados mais atingidos, mas o aproveitamento do jornal foi frustrante. Na quinta-feira, ainda deu
uma página com relatos da viagem, mas sem análises. E na sexta, mesmo os relatos já não tiveram destaque.
A descontinuidade também
marcou a cobertura do projeto de
transposição do rio São Francisco, outro assunto que poucos conseguem entender. Como se posicionar a favor ou contra a transposição diante de argumentos essencialmente técnicos?
Ao iniciar a greve de fome, no
dia 26 de setembro, o bispo Luiz
Flávio Cappio ressuscitou o assunto na imprensa. A Folha chegou a publicar um caderno especial, "Caminho das águas". O assunto, no entanto, continua controverso, como registraram os
editoriais do jornal e as colunas
que Luís Nassif vem publicando
desde terça-feira num esforço de
destrinchar o projeto. As reportagens sumiram e provavelmente só
reaparecerão em nova crise. Mas
não serão suficientes para esclarecer as dúvidas, apenas cumprirão a pauta.
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Marcelo Beraba é o ombudsman da Folha desde 5 de abril de 2004. O ombudsman tem mandato de um ano, renovável por mais dois. Não pode ser demitido durante o exercício da função e tem estabilidade por seis meses após deixá-la. Suas atribuições são criticar o jornal sob a perspectiva dos leitores, recebendo e verificando suas reclamações, e comentar, aos domingos, o noticiário dos meios de comunicação.
Cartas: al. Barão de Limeira 425, 8º andar, São Paulo, SP CEP 01202-900, a/c Marcelo Beraba/ombudsman,
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