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O espectro da Escola Base
Não cabe ao jornalismo sentenciar, e sim
apurar e informar; julgamento é com outras instituições do Estado democrático de Direito
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COMO SE não bastasse o
desaparecimento da
menina às vésperas de
festejar quatro anos, o jornalismo engulhou ainda mais o
mundo no ano passado ao
anunciar que a polícia portuguesa suspeitava da iminência
do fim dos tempos: os pais de
Madeleine McCann seriam os
responsáveis pela "morte".
Das mais sisudas às mais espalhafatosas páginas, a notícia
gritou. Na Europa, a história
mal contada do sumiço da garotinha inglesa durante as férias no sul de Portugal, em
maio de 2007, tornou-se uma
obsessão.
A ausência de lágrimas da
mãe intrigou. "Especialistas",
esta espécie da qual a imprensa se fez dependente, foram
escalados para decifrar os
olhos secos. A barbárie se batizara de nomes, Kate e Gerry, e
sobrenome, McCann.
Duas semanas atrás, o chefe
da Polícia Judiciária de Portugal reconheceu: pode ter havido precipitação em declarar os
pais como suspeitos. A afirmação de Alípio Ribeiro passou
quase despercebida no Brasil.
Quando foi para alardear a
desconfiança, convocaram-se
trombetas. Na hora de informar o recuo, entreouviram-se
sussurros.
Lembrei do caso Madeleine
ao ler reportagem de Simone
Iglesias na Folha do último
domingo, "Jovem diz que
mentiu ao acusar de pedofilia
casal de americanos".
Mais horror: dois casais, um
americano e um brasileiro, integrantes da comunidade de
nudistas Colina do Sol, foram
presos em dezembro no Rio
Grande do Sul sob suspeita de
pedofilia.
O Ministério Público os
acusa de "atentado violento ao
pudor, corrupção de menores,
formação de quadrilha e produção e divulgação de imagens de sexo com crianças e
adolescentes". Os denunciados se dizem inocentes. Não
houve julgamento.
Os investigadores colecionaram indícios de que jovens
sofreram abusos. Um deles, de
16 anos, dissera ter sido obrigado a assistir a um sexagenário se masturbando. Depois,
assegurou à Corregedoria da
Polícia Civil que mentira ao
ser agredido por policiais.
Ignoro se os acusados cometeram ou não os crimes.
Bem como se o casal McCann
é vítima ou autor da tragédia.
Ou se Madeleine está viva. O
que sei é que não cabe ao jornalismo sentenciar. Ele deve
apurar e informar. Julgamento é com outras instituições
do Estado democrático.
É o que se reafirmou em
1994, quando inocentes foram
presos por acusações improcedentes de violência contra
crianças na Escola Base, em
São Paulo. De início, o jornalismo se limitou às fontes oficiais. Não deu voz aos investigados nem espaço a informações que contradissessem as
suspeitas. Alguma lição daquela cobertura sombria ficou, como se constatou com a
ótima reportagem dominical.
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