São Paulo, domingo, 17 de outubro de 2010

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SUZANA SINGER - ombudsman@uol.com.br

@folha_ombudsman


FÉ NA REPORTAGEM


A Folha deve concentrar suas energias em desvendar o que de fato levou a disputa presidencial para o 2º turno

O FATO de a candidata escolhida por um presidente com popularidade de mais de 80%, em um momento ótimo da economia, ter sido obrigada a enfrentar um segundo turno de eleição é ainda um mistério.
Duas grandes teorias tentam dar conta da surpreendente reversão de expectativa: as denúncias sobre Casa Civil/Receita Federal e a influência das igrejas.
O Ibope, que pesquisou a religião dos eleitores, aposta que, incitados por pastores e padres, os fiéis abandonaram Dilma Rousseff.
O Datafolha, que teve o mérito de detectar antes a chance de um segundo turno, não perguntou a religião dos entrevistados. Na segunda-feira passada, o instituto e a Folha abraçaram de vez a teoria de que os escândalos sorveram votos essenciais ao PT: a manchete foi "Caso Erenice tirou de Dilma mais votos do que as igrejas".
O título se baseava no fato de que, dos 4% que abandonaram Dilma, 2% citaram o caso Erenice, 1% a quebra de sigilo fiscal de tucanos e 1% a orientação da igreja. Dos 2% que desistiram de José Serra, metade mencionou o caso Erenice e a outra metade a quebra de sigilo fiscal.
É difícil captar em pesquisa razões de mudança de voto. As perguntas eram "fechadas", com opções prontas para o entrevistado -por exemplo: "Você diria que as denúncias envolvendo a ex-ministra-chefe da Casa Civil fizeram você mudar ou não o seu voto para presidente?". Repetia-se a formulação para o sigilo fiscal e a igreja. Não foi feita uma questão aberta, na qual o eleitor pudesse apontar outros motivos.
Causa estranheza também o fato de pessoas desistirem de Serra por causa dos escândalos envolvendo o PT. Podem ser os que não gostam de "denuncismo", mas não é nada racional. Segundo o Datafolha, os escândalos teriam tirado 3% de Dilma e 2% de Serra, ou seja, um efeito quase nulo.
Não se trata de um problema estatístico, mas jornalístico. O texto cabotino que acompanhava os quadros do Datafolha afirmava que "os dois casos que mais pesaram na mudança de votos dos eleitores na reta final do primeiro turno tiveram influência direta de reportagens publicadas pela Folha".
Na terça-feira, o editorial "A fé nos boatos" usava a pesquisa para bater bumbo: "Por mais notável, porém, que seja sua contribuição [da internet] na área das comunicações, é o jornalismo profissional e independente que, seja na forma impressa, seja na eletrônica, vem iluminando a disputa eleitoral".
Em vez de se preocupar em mostrar a própria importância -e responder ao presidente Lula, que disse prescindir dos formadores de opinião-, a Folha deveria concentrar suas energias em desvendar o que de fato aconteceu.
Mesmo que tenha atingido 1% do eleitorado -o que significa 1,35 milhão de pessoas-, a campanha em templos e igrejas mostrou uma força impressionante, num movimento que a imprensa demorou a captar.
Por que pastores evangélicos iniciaram essa onda anti-Dilma? O aborto não parece explicação suficiente. Há outros interesses em jogo? E por que setores da Igreja Católica aderiram?
O padre José Augusto, de Cachoeira Paulista (SP), em longa fala contra o PT, cita uma lei que restringiria a programação religiosa a uma hora por dia -católicos e evangélicos têm canais próprios. Será isso?
E, se a religião não for determinante, cabe ao jornal investigar outras hipóteses. Explicar o grande número de votos brancos e nulos no Nordeste. Entender se Marina Silva foi um receptáculo de insatisfeitos ou se teve algo a mais. Dizer por que, aparentemente, as mulheres não gostam tanto de Dilma -se dependesse dos homens, a eleição teria terminado no primeiro turno.
Essas perguntas só podem ser respondidas com reportagem. É preciso virar papa-hóstia, ouvir gente, levantar bastidores. Gastar sola de sapato, como se dizia antigamente.


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