São Paulo, domingo, 19 de agosto de 2001

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OMBUDSMAN

Advogado do diabo

BERNARDO AJZENBERG

O congresso da Associação Nacional dos Jornais (ANJ), realizado nos dias 13 e 14, no Rio, revelou notícias alvissareiras.
A primeira diz respeito ao número de leitores dos jornais impressos no país.
Segundo estudo feito pela consultoria McKinsey & Co., entre 1996 e 2000 as vendas de jornais impressos subiram de 6,5 milhões para 7,9 milhões de exemplares por dia.
Informação positiva, considerando-se alguns prognósticos catastrofistas que previam nos anos 90 um declínio da chamada "circulação", devido, entre outros motivos, ao crescimento da internet.
Registre-se que boa parte desse aumento se deveu ao surgimento de alguns jornais chamados "populares", cuja participação no bolo geral passou de 11% para 17% no mesmo período.
A segunda notícia, menos objetiva mas estatisticamente sustentada, diz respeito à credibilidade, item básico para a sobrevivência do jornalismo.
Os jornais impressos, conforme pesquisa do Datafolha levada ao encontro, figuram em segundo lugar na lista de instituições nas quais a população mais confia. Com 15%, só perdem para a Igreja Católica (30%).
O tom adotado pelos títulos das reportagens sobre o assunto, na terça-feira, expressam o contentamento:
"Jornal é o veículo com maior credibilidade" ("O Globo");
"Otimismo marca abertura do congresso da ANJ" ("O Estado de S.Paulo");
"Jornais brasileiros têm credibilidade" ("Gazeta Mercantil");
"Igreja e jornais são as instituições nas quais a população mais confia" (Folha).
Esse regozijo, no entanto, embora compreensível, deve ser visto com cautela e ter como contrapeso algumas constatações.
Primeiro, convenhamos que 15% é muito pouco. Como disse artigo publicado pelo jornalista Luiz Garcia (quarta-feira, em "O Globo"), "reponha-se, portanto, a rolha no champanhe". Mas não apenas por isso.

Outros dados
Ao entrar no site do Datafolha (www.datafolha.com.br), é possível acessar mais dados da pesquisa.
Constatam-se, aí, indicadores preocupantes, alguns não noticiados pela imprensa. E peço licença para assumir, aqui, o papel de advogado do diabo.
Dos leitores diários de jornal, por exemplo, 63% acham que as informações publicadas são "um pouco" confiáveis, contra apenas 33% que as consideram "muito confiáveis" (veja quadro acima).
Na mesma linha, 43% acham que os jornais têm apenas "um pouco de credibilidade", ante 47% (menos da metade, portanto), que neles vêem "muita credibilidade".
É certo que 72% dos leitores diários acham os jornais ótimos ou bons, mas 57% consideram que eles trazem notícias ruins em excesso (32% concordando totalmente, 25% concordando em parte com essa avaliação).
O sensacionalismo é, de longe, com 37%, o principal problema apontado como crítica por leitores descontentes, seguido pela falta de profundidade nas matérias (23%).
Outro dado importante como alerta: para 46% do conjunto de leitores, os jornais precisam sofrer, sim, algum tipo de controle externo. 52% se posicionaram pela "liberdade total". Considerando-se a margem de erro da pesquisa, pela amostra global (três pontos percentuais), há um surpreendente empate técnico.
Nesse quesito, aliás, os números se aproximam do mercado norte-americano. Recente levantamento citado por Janet Kirtley, professora de direito e ética dos meios de comunicação, da Universidade de Minnesota, em encontro na sexta em São Paulo, mostra que para 43% da população a imprensa, lá, tem liberdade demais.
Segundo lugar no ranking de credibilidade? Certo, mas com apenas 15% (metade do campeão). Aumento de circulação? OK, mas de apenas 5% em quatro anos.
Em vez de ressaltar os dados positivos, o recomendável é que os jornais (e os jornalistas) atentem para o que revelam as outras indicações da mesma pesquisa: falta muito para que a imprensa conquiste, aos olhos do leitor, a bela imagem que ela costuma enxergar no espelho.



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