São Paulo, domingo, 19 de novembro de 2006

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Opiniões e direitos


O episódio Sader é outro capítulo do enfrentamento que marca a relação cada vez mais tensa entre imprensa e petistas

A FOLHA NOTICIOU, no dia 2, que o sociólogo e cientista político Emir Sader foi condenado por crime de injúria a um ano de detenção, em regime aberto, substituída por serviços à comunidade por ser réu primário, e à perda do cargo de professor da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro).
Ele foi processado pelo senador Jorge Bornhausen, presidente do PFL, por um artigo publicado em 2005, na internet, na agência "Carta Maior", em que acusava o político de racismo. Bornhausen havia dito, referindo-se ao PT, que "a gente vai se ver livre desta raça por pelo menos 30 anos".
Sader escreveu que o senador "é das pessoas mais repulsivas da burguesia brasileira" e "revela agora todo o seu racismo e seu ódio ao povo brasileiro com essa frase, que saiu do fundo da sua alma -recheada de lucros bancários e ressentimentos". Sader defendeu no artigo que o senador deveria ser processado por discriminação e racismo.
No dia seguinte à publicação da notícia da condenação, a Folha selecionou duas cartas no seu "Painel do Leitor", uma lamentando a sentença da Justiça -"repugnante, ultrajante"- e outra aplaudindo o juiz responsável pela condenação -"Que sirva de lição!"
Na segunda-feira, dia 6, o editor de "Brasil" (editoria responsável pelo noticiário político), Fernando de Barros e Silva, publicou um artigo na página de opinião bem provocativo, como é de seu estilo, em que considerava a sentença absurda -"de fazer inveja a Kafka, e deve ser revista"-, mas defendia o direito de o senador Bornhausen processar Sader. Lembrou que Chico de Oliveira foi processado por Delúbio Soares quando rompeu com o PT e apontou para os desvios do partido -"o modo de vida gangsterizado de petistas no poder", na tradução de Barros e Silva.

Abaixo-assinado
O pretexto do artigo foi a circulação de um abaixo-assinado a favor de Sader e contrário à sentença. A motivação pode ser explicada por um trecho do artigo: "A reeleição de Lula destampou a sanha vingativa de parte do baixo clero petista e reacendeu a tentação autoritária que ronda certos áulicos do Planalto, no governo e na mídia".
Houve reação de leitores ao artigo, não por esse resumo que fiz, mas pelo início do texto, onde desqualifica o sociólogo: "Como intelectual, Emir Sader é um zero à esquerda".
Na segunda-feira seguinte, Barros e Silva voltou ao ataque com a coluna "Decifrando o enigma", em que considera o manifesto pró-Sader "oportunista e hipócrita" e informa que o próprio Sader era testemunha de um processo contra César Benjamin, candidato a vice na chapa de Heloísa Helena (PSOL) na eleição presidencial, por calúnia e difamação. Segundo o jornalista, Benjamin estaria sendo processado por ter difundido que uma editora, ligada a Sader, teria superfaturado a publicação do livro "Governo Lula: Decifrando o Enigma".
Novas cartas de leitores. No dia 10, a colunista Barbara Gancia publicou outro artigo também bem crítico em relação a Sader, "Lata de lixo, já!"
No dia 16, o jornal editou um texto de Rogério Cezar de Cerqueira Leite, do Conselho Editorial da Folha, em que analisa e critica com ironia a sentença que condenou Sader: "E ainda dizem que a Justiça brasileira não é eficiente. No governo militar, foi preciso um Ato Institucional para expulsar professores da USP".
Recebi 18 cartas de leitores. Como sói acontecer com a correspondência para o ombudsman, apenas uma elogiava a coluna de Fernando de Barros e Silva. O "Painel do Leitor" publicou sete cartas, cinco favoráveis ao sociólogo e duas contrárias. Na edição eletrônica foram publicadas outras dez, sendo seis favoráveis, três contrárias e uma neutra em relação à polêmica.

Direito de resposta
Como vejo a questão:
1 - Como deixa claro Barros e Silva na sua primeira coluna, o episódio é outro capítulo do enfrentamento que vem marcando a relação cada vez mais tensa entre imprensa e petistas. Há acirramentos dos dois lados e não há sinal de trégua.
2 - Não concordo com os termos usados por Barros e Silva para criticar Sader. Mas é um direito dele ter essa opinião. Como é direito de Sader ter a opinião que manifestou sobre Bornhausen. Se um dos personagens entende que foi injuriado, difamado ou caluniado, há o recurso legítimo à Justiça. O jornalista cioso do seu direito de opinião deve ser o campeão na defesa do direito de qualquer pessoa recorrer à Justiça ao se sentir ofendida. O recurso não viola a liberdade de expressão -a legitima.
3 - Vejo um problema sério nas colunas de Barros e Silva. Nas duas ele faz referência, para sustentar seus argumentos, a fatos que não haviam sido noticiados pelo jornal. Na primeira, ao manifesto a favor de Sader. Que manifesto? O jornal não noticiara a mobilização contra a sentença da Justiça, o leitor que leu as colunas desconhecia os termos do manifesto e só tinha, portanto, a opinião do editor de que era "oportunista e hipócrita". Na segunda, cita um caso que nunca tinha sido noticiado pelo jornal, o que envolve Cesar Benjamin. O assunto só veio a ser tratado, e assim mesmo de forma inconclusa, quatro dias depois da coluna. Se o editor considerava esses fatos relevantes a ponto de usá-los, por que não os pautou para terem tratamento jornalístico? Vejo um problema aqui no chamado direito à informação.
4 - Há uma questão mais complexa, que é o direito de resposta. Até sexta-feira, o jornal não tinha publicado uma defesa do sociólogo aos ataques que sofrera dos dois colunistas do jornal. O artigo de Rogério Cerqueira Leite é favorável a Sader, mas trata exclusivamente do teor da sentença que condenou o sociólogo, não responde às críticas de Barros e Silva e de Barbara Gancia.
Fui procurado ao longo da semana por Sader, que reclamou do tratamento que recebeu. Questionei o fato de não ter solicitado o direito de defesa. Disse-me que não sentira confiança de fazê-lo "pela forma desqualificadora das colunas e pelo fato de terem sido escritas por gente do jornal, inclusive o editor de política". Na sua opinião, esses fatores não lhe davam "garantia de eqüidade no jornal".
Disse-lhe que errou. Deveria ter solicitado, desde o primeiro momento, o direito de resposta garantido no "Manual da Redação", além de previsto na Constituição. Não acredito que o jornal se recusasse a publicar um artigo do sociólogo ou de alguém que saísse em sua defesa. O jornal tem regras para polêmicas e Sader sempre teve espaço no jornal.
Mas acho também que o jornal deveria ter oferecido a oportunidade para a defesa, uma vez que a segunda coluna já não trazia só opiniões, mas uma acusação. Na sexta-feira, Emir Sader me informou que estava encaminhando um artigo de Roberto Leher para publicação na Folha. Aguardo.


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