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Opiniões e direitos
O episódio Sader é outro capítulo do enfrentamento que marca a relação cada
vez mais tensa entre imprensa e petistas
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A FOLHA NOTICIOU, no
dia 2, que o sociólogo e
cientista político Emir
Sader foi condenado por crime de injúria a um ano de detenção, em regime aberto,
substituída por serviços à comunidade por ser réu primário, e à perda do cargo de professor da Uerj (Universidade
do Estado do Rio de Janeiro).
Ele foi processado pelo senador Jorge Bornhausen, presidente do PFL, por um artigo
publicado em 2005, na internet, na agência "Carta Maior",
em que acusava o político de
racismo. Bornhausen havia
dito, referindo-se ao PT, que
"a gente vai se ver livre desta
raça por pelo menos 30 anos".
Sader escreveu que o senador "é das pessoas mais repulsivas da burguesia brasileira"
e "revela agora todo o seu racismo e seu ódio ao povo brasileiro com essa frase, que saiu
do fundo da sua alma -recheada de lucros bancários e
ressentimentos". Sader defendeu no artigo que o senador deveria ser processado
por discriminação e racismo.
No dia seguinte à publicação da notícia da condenação,
a Folha selecionou duas cartas no seu "Painel do Leitor",
uma lamentando a sentença
da Justiça -"repugnante, ultrajante"- e outra aplaudindo
o juiz responsável pela condenação -"Que sirva de lição!"
Na segunda-feira, dia 6, o
editor de "Brasil" (editoria
responsável pelo noticiário
político), Fernando de Barros
e Silva, publicou um artigo na
página de opinião bem provocativo, como é de seu estilo,
em que considerava a sentença absurda -"de fazer inveja a
Kafka, e deve ser revista"-,
mas defendia o direito de o senador Bornhausen processar
Sader. Lembrou que Chico de
Oliveira foi processado por
Delúbio Soares quando rompeu com o PT e apontou para
os desvios do partido -"o modo de vida gangsterizado de
petistas no poder", na tradução de Barros e Silva.
Abaixo-assinado
O pretexto do artigo foi a
circulação de um abaixo-assinado a favor de Sader e contrário à sentença. A motivação
pode ser explicada por um trecho do artigo: "A reeleição de
Lula destampou a sanha vingativa de parte do baixo clero
petista e reacendeu a tentação
autoritária que ronda certos
áulicos do Planalto, no governo e na mídia".
Houve reação de leitores ao
artigo, não por esse resumo
que fiz, mas pelo início do texto, onde desqualifica o sociólogo: "Como intelectual, Emir
Sader é um zero à esquerda".
Na segunda-feira seguinte,
Barros e Silva voltou ao ataque
com a coluna "Decifrando o
enigma", em que considera o
manifesto pró-Sader "oportunista e hipócrita" e informa
que o próprio Sader era testemunha de um processo contra
César Benjamin, candidato a
vice na chapa de Heloísa Helena (PSOL) na eleição presidencial, por calúnia e difamação. Segundo o jornalista,
Benjamin estaria sendo processado por ter difundido que
uma editora, ligada a Sader,
teria superfaturado a publicação do livro "Governo Lula:
Decifrando o Enigma".
Novas cartas de leitores. No
dia 10, a colunista Barbara
Gancia publicou outro artigo
também bem crítico em relação a Sader, "Lata de lixo, já!"
No dia 16, o jornal editou
um texto de Rogério Cezar de
Cerqueira Leite, do Conselho
Editorial da Folha, em que
analisa e critica com ironia a
sentença que condenou Sader: "E ainda dizem que a Justiça brasileira não é eficiente.
No governo militar, foi preciso um Ato Institucional para
expulsar professores da USP".
Recebi 18 cartas de leitores.
Como sói acontecer com a
correspondência para o ombudsman, apenas uma elogiava a coluna de Fernando de
Barros e Silva. O "Painel do
Leitor" publicou sete cartas,
cinco favoráveis ao sociólogo
e duas contrárias. Na edição
eletrônica foram publicadas
outras dez, sendo seis favoráveis, três contrárias e uma
neutra em relação à polêmica.
Direito de resposta
Como vejo a questão:
1 - Como deixa claro Barros e
Silva na sua primeira coluna,
o episódio é outro capítulo do
enfrentamento que vem marcando a relação cada vez mais
tensa entre imprensa e petistas. Há acirramentos dos dois
lados e não há sinal de trégua.
2 - Não concordo com os termos usados por Barros e Silva
para criticar Sader. Mas é um
direito dele ter essa opinião.
Como é direito de Sader ter a
opinião que manifestou sobre
Bornhausen. Se um dos personagens entende que foi injuriado, difamado ou caluniado, há o recurso legítimo à
Justiça. O jornalista cioso do
seu direito de opinião deve ser
o campeão na defesa do direito
de qualquer pessoa recorrer à
Justiça ao se sentir ofendida.
O recurso não viola a liberdade
de expressão -a legitima.
3 - Vejo um problema sério
nas colunas de Barros e Silva.
Nas duas ele faz referência, para sustentar seus argumentos,
a fatos que não haviam sido
noticiados pelo jornal. Na primeira, ao manifesto a favor de
Sader. Que manifesto? O jornal não noticiara a mobilização contra a sentença da Justiça, o leitor que leu as colunas
desconhecia os termos do manifesto e só tinha, portanto, a
opinião do editor de que era
"oportunista e hipócrita". Na
segunda, cita um caso que
nunca tinha sido noticiado pelo jornal, o que envolve Cesar
Benjamin. O assunto só veio a
ser tratado, e assim mesmo de
forma inconclusa, quatro dias
depois da coluna. Se o editor
considerava esses fatos relevantes a ponto de usá-los, por
que não os pautou para terem
tratamento jornalístico? Vejo
um problema aqui no chamado direito à informação.
4 - Há uma questão mais complexa, que é o direito de resposta. Até sexta-feira, o jornal
não tinha publicado uma defesa do sociólogo aos ataques
que sofrera dos dois colunistas
do jornal. O artigo de Rogério
Cerqueira Leite é favorável a
Sader, mas trata exclusivamente do teor da sentença que
condenou o sociólogo, não responde às críticas de Barros e
Silva e de Barbara Gancia.
Fui procurado ao longo da
semana por Sader, que reclamou do tratamento que recebeu. Questionei o fato de não ter solicitado o direito de defesa. Disse-me que não sentira
confiança de fazê-lo "pela forma desqualificadora das colunas e pelo fato de terem sido
escritas por gente do jornal,
inclusive o editor de política".
Na sua opinião, esses fatores
não lhe davam "garantia de
eqüidade no jornal".
Disse-lhe que errou. Deveria
ter solicitado, desde o primeiro momento, o direito de resposta garantido no "Manual da
Redação", além de previsto na
Constituição. Não acredito
que o jornal se recusasse a publicar um artigo do sociólogo
ou de alguém que saísse em
sua defesa. O jornal tem regras
para polêmicas e Sader sempre teve espaço no jornal.
Mas acho também que o jornal deveria ter oferecido a
oportunidade para a defesa,
uma vez que a segunda coluna
já não trazia só opiniões, mas
uma acusação. Na sexta-feira,
Emir Sader me informou que
estava encaminhando um artigo de Roberto Leher para publicação na Folha. Aguardo.
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