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ENTREVISTA/CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA
Jornalista que assume cargo na terça defende um produto com menos assuntos e mais análises; para ele, cobertura do caso Isabella mostra que a mídia estimula o que há de pior nos instintos humanos
Jornal precisa encontrar seu novo papel, diz ombudsman
DA REDAÇÃO
NOVO OMBUDSMAN DA FOLHA , Carlos
Eduardo Lins da Silva, crê que os jornais
brasileiros vivem um momento contraditório. Pelo lado bom, não sofrem da crise
de credibilidade que acomete os diários norte-americanos. Pelo ruim, estão perdendo o poder de influenciar a opinião pública. Segundo ele, está na hora de os
jornais decidirem que papel vão ter na concorrência
com outros meios, como a internet, as rádios e a TV.
Defende que o futuro está num produto mais focado,
com menos assuntos e mais analítico.
Lins da Silva passa a atender
os leitores e a redigir uma crítica interna na próxima terça-feira, dia 22. Sua primeira coluna dominical será publicada no
dia 27 no caderno Brasil.
Na entrevista abaixo, ele fala
da proliferação de blogs, da cobertura do caso Isabella e do
impasse que culminou com a
não-renovação do mandato do
ocupante anterior do cargo.
FOLHA -Jornais brasileiros e americanos vivem situações opostas. Lá
eles perdem circulação e receita com
publicidade. Aqui cresceram as vendas e o volume de anúncios. Qual a
razão desse descolamento?
CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA - O
que acontece no Brasil é uma
coisa ilusória e acho que os jornalistas brasileiros não deveriam se iludir com esse bom
momento. Primeiro, porque a
internet não está muito disseminada aqui como nos EUA.
Segundo, nós estamos vivendo
esse boom da economia que eu
acho que é passageiro. Nos
EUA, ao contrário, a internet é
quase universal e a economia
está começando a sofrer os primeiros tropeços. Na minha opinião, é irreversível a tendência
de os jornais impressos perderem circulação.
FOLHA - É a internet que tirará esse
público dos jornais?
LINS DA SILVA - Eu acho que a internet já está tirando público e
publicidade dos jornais. E será
assim se o jornal impresso não
revir a sua existência.
FOLHA - Você não acredita que
possa crescer o número de leitores
de jornais impressos com mais pessoas alfabetizadas e com mais dinheiro no bolso? Nos EUA, nos anos
60, 80% dos americanos com 18
anos ou mais liam jornais durante a
semana. Hoje, ainda são cerca de
50%. O Brasil nunca chegou nem
perto disso.
LINS DA SILVA - O problema é que
no Brasil o crescimento dos
meios de comunicação foi atropelado. Nos EUA, o desenvolvimento do capitalismo foi mais
ou menos ordeiro. Houve a
afluência monetária, que atingiu grande parte da população.
Houve a conquista de direitos
trabalhistas, que garantiu mais
tempo para o lazer. Houve a alfabetização universal. Tudo isso levou a que quase todo mundo lesse jornal. Depois disso
surgiu a televisão, a internet.
No Brasil, não houve distribuição homogênea de riqueza,
ainda há muitos analfabetos e
você teve, antes de a leitura de
jornais se universalizar, a chegada da televisão e da internet.
Então, acho que essa universalização nunca vai ocorrer.
FOLHA - Para enfrentar a perda de
circulação, alguns jornais americanos apostam na hiperlocalidade. Focam cada vez mais na própria comunidade. Essa será uma tendência para o Brasil?
LINS DA SILVA - Não sei se isso vai
funcionar nem nos EUA. Há
uma outra diferença entre os
jornais americanos e brasileiros, que é a questão da credibilidade. Lá, eles passam por um
momento de perda da credibilidade. Aqui, não. Mas, voltando
à questão, não sei se essa é uma
solução para os jornais impressos. Porque, também para o
provimento da informação local, a internet é um meio mais
adequado. Você pode comprar
seu ingresso de cinema pela internet. Você pode saber o cardápio do restaurante pela internet. Você não tem como prestar esse tipo de serviço nas
páginas do jornal.
Para mim, a saída para o jornal impresso é apostar na profundidade, na qualidade e ter
mais foco, tratar de menos assuntos. Porque isso a internet
não pode dar. O jornal impresso precisa procurar o tipo de
conteúdo em que ele se sai melhor, em vez de insistir em competir com a internet naquilo
que ela pode oferecer com mais
comodidade para o leitor.
FOLHA - Alguns jornais ingleses
tentam esse modelo mais focado e
mais aprofundado, mas não obtêm
mais leitores com isso.
LINS DA SILVA - Eu acho natural
que esse modelo que eu defendo tenha menos leitores que o
modelo atual. Porque esse novo
jornal não deverá atender a todo o universo de possíveis leitores. Ele deve ser dirigido para
uma parcela mais específica da
população. Pode ter menos circulação, mas gastará menos
com papel e poderá ter mais
publicidade, focada para aquele
público. E o mais importante,
ele pode ter mais influência social do que esse jornal dirigido
ao público em geral, que é muito caro para ser produzido.
FOLHA - Do ponto de vista da qualidade da informação, deixando de
lado circulação e publicidade, você
acha que os jornais brasileiros vivem
um bom ou mau momento?
LINS DA SILVA - Acho que vive um
bom momento, uma vez que
não perderam credibilidade,
como aconteceu nos EUA. Por
outro lado, acho que os jornais
brasileiros perderam o poder
de influenciar. O maior exemplo foi a eleição presidencial de
2006. Era claro que a maioria
dos jornais preferia que Lula
não tivesse vencido. No entanto, Lula teve dois terços dos votos. Da mesma forma, no momento do mensalão, a maioria
dos jornais de qualidade no
Brasil preferia que o desfecho
fosse outro.
FOLHA - Qual é o grande desafio
dos jornais impressos hoje?
LINS DA SILVA - É definir qual papel terão. Principalmente para
manter a influência. O jornal
terá que encontrar seu lugar,
como o rádio encontrou. Muitos diziam que o rádio morreria
com a chegada da televisão.
Não foi o que aconteceu. Hoje o
rádio está num ótimo momento. Ele descobriu que seu espaço não era mais ser como a Rádio Nacional foi em meados do século passado: o centro das
atenções da família no horário
nobre da noite. Perdeu audiência, sim. Na época, 80% escutavam a Rádio Nacional. Hoje,
1%. O mesmo vai acontecer
com o jornal impresso.
FOLHA - A internet trouxe mais
participação dos leitores. Você vê futuro nessas experiências que usam o
leitor como provedor de conteúdo?
LINS DA SILVA - Sou bastante cético com relação a isso. Essa suposta democratização da internet, que permitiria ao cidadão
ser repórter, é muita demagogia. O público precisa de informação apurada com rigor, com
método. Só algumas pessoas,
que têm jeito e experiência,
conseguem fazer isso.
FOLHA - Este será um ano eleitoral
no Brasil. Com isso, o ombudsman
deve ser muito procurado por assessores de políticos e também por leitores que acreditam que o jornal está protegendo esse ou aquele candidato. Como você pretende fazer essa fiscalização da neutralidade do
jornal e, ao mesmo tempo, separar o
que é paixão política, ou interesse
de assessores, da opinião mais objetiva de leitores?
LINS DA SILVA - Esse será um dos
meus desafios. Eu acho que o
jornal tem o direito de endossar um candidato. Não acho
que deva, mas tem o direito.
Por outro lado, no noticiário, o
jornal não tem o direito de endossar um candidato. Ele tem
que fazer uma cobertura o mais
próximo possível do isento. Como você sabe, não existe objetividade absoluta. Mas existe algo próximo disso, que é equilibrar o espaço dado aos candidatos, não adjetivar, dar enfoque
mais ou menos justo para os
principais concorrentes.
Eu não gosto muito da palavra fiscalização, mas a observação que vou fazer será baseada
nisso. Tem que haver equilíbrio
e o máximo de isenção possível.
É claro que nunca ninguém
ficará satisfeito. Mas a medida
do sucesso é sempre ser atacado de todos os lados. Quando
mais ataques o jornal receber
de todos os lados, mais próximo
do equilíbrio ele estará.
FOLHA - A internet permitiu também a proliferação de blogs, muitos
com enfoque político. Você acha
que esses blogs já conseguem influenciar a opinião pública?
LINS DA SILVA - No Brasil, com
certeza não. Nos EUA, sim. Essa influência está sendo sentida
na eleição presidencial. No entanto, eu acho que é uma influência ruim, perniciosa.
Os blogs tendem a acirrar as
divisões. Por exemplo, eu acho
que essa disputa entre a Hillary
Clinton e o Barack Obama está
sendo prejudicada pela divisão
que os blogs atiçam entre negros e brancos, entre mulheres
e homens, entre trabalhadores
industriais e profissionais liberais, que é a divisão que se estabeleceu na demografia eleitoral
da Hillary e do Obama.
No Brasil, é parecido, mas é
muito menor porque é pequeno o número de pessoas com
acesso à internet e que lêem esses blogs. Mas cria-se um mal-estar por causa do radicalismo
de alguns deles, que não argumentam, ofendem. Descem a
um nível que nem se pode chamar de debate. E isso contamina o tal formador da opinião
pública, que muitas vezes lê esses blogs e acaba sendo contagiado pelo radicalismo, o que
cria situações artificiais.
A disputa entre petistas e tucanos é muito artificial porque
não há tanta coisa que distancie
um partido de outro. Mas ela é
muito prejudicada pelas pessoas que lêem e até participam
desses blogs e se dividem de
uma forma muito odiosa.
FOLHA - O ombudsman anterior,
Mário Magalhães, condicionou sua
permanência no cargo a que o jornal
voltasse atrás de decisão tomada no
ano passado de não mais divulgar
na internet a crítica interna, que, no
entender da Direção de Redação, estava sendo usada pela concorrência
e instrumentalizada por jornalistas
ligados ao Planalto. Você acha que a
crítica deveria ser pública?
LINS DA SILVA - Do ponto de vista
do ombudsman, acho que essa
questão é irrelevante. Do ponto
de vista do jornal, inócua. Irrelevante porque qualquer coisa
importante da crítica interna
poderá estar na coluna de domingo, que é pública. O leitor,
então, não perderá nada.
Já para o jornal, acho que a
medida é inócua porque o fato
de ser restrita à Redação não
vai impedir que a concorrência
e grupos políticos tenham acesso a ela. É impossível impedir
que algo que seja distribuído a
mais de uma centena de jornalistas não vaze para fora do jornal. Acho que o impasse foi gerado por uma questão que não
precisaria tê-lo provocado,
nem de um lado nem de outro.
O que lamento muito, porque
considero que o Mário estava
fazendo um bom serviço como
ombudsman e isso beneficiava
o leitor e o jornal.
FOLHA - Os últimos ombudsmans
focaram suas colunas dominicais na
cobertura da Folha. Você fará o mesmo ou pretende fazer uma análise
mais ampla de toda a mídia?
LINS DA SILVA - Não tratarei na
crítica dominical de nenhum
outro veículo específico porque
não tenho mandato para isso.
Meu compromisso é com a Folha e não serei ombudsman dos
concorrentes, da televisão ou
da internet. Mas, ocasionalmente, posso tratar da mídia
em geral porque acho que será
interessante para o leitor.
FOLHA - Você assume o posto de
ombudsman na terça, mas sempre
foi um leitor atento. O que mais te
irrita nos jornais?
LINS DA SILVA - O que mais me irrita é superficialidade. Depois,
erros de português. E isso é
uma bobagem, um pedantismo
meu, porque erro de português
não é tão importante assim. Em
terceiro lugar, me irritam muito invencionices de texto. A
tentativa de chamar a atenção
com o que o repórter considera
engraçado. Por exemplo, começar um texto com uma brincadeira que só me fará perder alguns segundos com algo que não tenha nenhum sentido.
Também me irritam algumas
opiniões muito ralas, que não
acrescentam nada para o leitor.
FOLHA - Como você avalia o trabalho dos meios de comunicação na
cobertura do caso Isabella?
LINS DA SILVA - Acho que os jornais estão preocupados em não
repetir erros, como ocorreram
na cobertura de outros casos
policiais que mobilizaram a
opinião pública. O que é muito
positivo. Há preocupação com
aspectos éticos. Mas acho absurdo o que o Clóvis Rossi chama de cenas de jornalismo explícito. Eu vi a saída da prisão
do casal suspeito e não consigo
encontrar sentido naquele batalhão de cinegrafistas em cima
de motocicletas colocando a câmara no vidro do carro em que
eles estavam. Não sei qual o valor informativo que pode ter
uma imagem como aquela.
Só não sei se isso é evitável,
porque o público parece querer
esse tipo de cobertura. A mídia,
nessas horas, acaba estimulando o que há de pior nos instintos humanos, de morbidez e curiosidade doentia.
Mas aqui há uma questão. Será que o jornalismo sério precisa mesmo entregar o que o público quer, ou diz querer? Na
minha opinião, jornalismo sério tem que atender a demanda
do público, mas tem também
que liderar. É preciso haver
uma troca entre o meio de comunicação e seu consumidor
para que o jornal atenda os desejos dos leitores, mas também
ajude a melhorar a qualidade
desses desejos.
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