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A imprensa e o PCC
É evidente o despreparo dos meios de
comunicação para tratar de questões
complexas como política de segurança
O PCC SEQÜESTROU em
São Paulo, no sábado
retrasado, dois funcionários da TV Globo. A emissora foi obrigada a colocar no ar
um vídeo com propaganda e
reivindicações da organização
para evitar que matassem o repórter Guilherme Portanova.
Ele foi solto no domingo à noite. Algumas observações.
O seqüestro
A principal discussão que ficou foi a respeito da decisão da
Globo de atender às exigências
dos seqüestradores. A emissora agiu certo ao exibir o vídeo?
A maioria das manifestações
que li foi de apoio.
Entre as vozes discordantes,
destaco duas da Folha: os colunistas Elio Gaspari e Bárbara Gancia. Gaspari defendeu
que as empresas jornalísticas
"devem responder à bandidagem com um regime de tolerância zero" e sugeriu que, havendo o risco de novos seqüestros, elas deveriam anunciar que têm contratos de seguro de vida para todos os
seus funcionários.
Gancia defendeu que a Globo deveria ter deixado que a
Secretaria de Segurança esgotasse as possibilidades de negociação antes de ceder e propôs o que chamou de "solução
radical": que todos os jornalistas assinem um manifesto
proibindo a exibição de vídeos
ou a publicação de textos caso
sejam seqüestrados.
Na minha opinião a Globo
fez o que deveria ter feito: colocou o vídeo no ar e noticiou
exaustivamente o episódio e
as razões pelas quais optou
por acatar as exigências dos
seqüestradores. Acho que agiu
com responsabilidade. Embora tenha concessão pública, é
uma empresa privada e tinha
dois funcionários nas mãos de
bandidos que desde maio desafiam as forças policiais do
Estado e já provaram que são
capazes de qualquer tipo de
crueldade.
Gaspari e Gancia têm razão
em relação a um ponto: foi
criado um grave precedente.
Todos devemos ter consciência do tamanho do problema,
agravado pela comprovada incapacidade do Estado, até este
momento, de controlar a situação.
E acho que ficou demonstrado para os jornalistas e as
empresas jornalísticas que o
episódio comoveu mais a sociedade pelo drama que o repórter viveu do que pela compreensão de que os bandidos
teriam atingido uma instituição da democracia, a imprensa. Várias notas e declarações
nossas tinham ranço corporativo. Não deve ser sem razão
que a sociedade tem dificuldades para perceber o papel institucional dos meios e o valor
da liberdade de imprensa.
A cobertura policial
As empresas jornalísticas
estão cobrando, com razão,
políticas de segurança pública
eficazes dos governos e dos
candidatos. Mas deveriam repensar a cobertura que fazem
de violência e criminalidade.
Não no sentido de adotar mais
restrições ou censura, mas no
sentido de qualificação profissional.
O jornalismo outrora dito
policial melhorou, é um fato.
Fazemos hoje uma cobertura
de crimes e violência melhor
do que fazíamos há 30 anos. A
imprensa evoluiu para um jornalismo que tenta entender os
fenômenos sociais que cercam
as explosões de violência e criminalidade; evoluiu para uma
relação mais profissional (menos promíscua) com as fontes
policiais; e está preocupada (o
que não significa que esteja
tendo êxito) em não glamourizar o crime, as organizações
criminosas e os bandidos.
Mas não deu o salto de conhecimento que outras áreas
do jornalismo foram obrigadas a empreender por conta
das exigências dos leitores e
do próprio patrimônio de credibilidade dos meios -como
foram os casos dos jornalismos econômico e científico.
O problema hoje não é falta
de fontes ou falta de informações, embora também sejam
problemas. É um problema de
falta de conhecimento sobre o
assunto.
Não são só os políticos que
parecem perdidos. É evidente
o despreparo dos meios jornalísticos para tratar de questões
complexas como política de
segurança. Não estamos mais
disputando quem chega primeiro ao local do crime, mas
estamos desafiados a entender e a avaliar as políticas públicas. Sem conhecer política
de segurança fica difícil questionar os governos e os políticos. Sem conhecer os procedimentos que deveriam orientar
a ação das polícias fica difícil
questioná-las.
Está evidente que São Paulo, Rio e Minas implementaram, nos últimos 12 anos, políticas de segurança pública distintas. Que políticas foram essas? Acertaram? Erraram?
A Folha, e vale para os outros meios, não havia conseguido fazer até sexta-feira um
estudo aprofundado do que
foi a política de segurança pública em São Paulo na década
em que o Estado esteve governado pelo PSDB, e isso apesar
da crise que vem desde maio.
A falta de conhecimento
nos leva a aceitar como verdadeira qualquer informação,
sem que tenhamos condições
discuti-las. Clóvis Rossi apontou para o problema na coluna
de domingo passado, "O satélite mágico". Para se livrar dos
jornalistas, representantes
dos governos federal e de São
Paulo divulgaram que o Exército cooperaria com a polícia
paulista "sobretudo com a utilização de satélites para a localização de células do PCC e interceptações telefônicas", segundo a Folha. Rossi fez a
pergunta que o jornal não fez:
"Como se localizam, por satélite, células do PCC?"
Não há questionamento
técnico porque falta conhecimento. E não é um problema
exclusivo dos políticos e dos
jornalistas. A impressão que
tenho é que as universidades
também ainda não elegeram o
tema como prioritário, vide a
lista diminuta e repetitiva de
"especialistas" (os de sempre,
como em "Casablanca") ouvidos pelos meios a cada crise.
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