São Paulo, domingo, 20 de agosto de 2006

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A imprensa e o PCC

É evidente o despreparo dos meios de comunicação para tratar de questões complexas como política de segurança

O PCC SEQÜESTROU em São Paulo, no sábado retrasado, dois funcionários da TV Globo. A emissora foi obrigada a colocar no ar um vídeo com propaganda e reivindicações da organização para evitar que matassem o repórter Guilherme Portanova. Ele foi solto no domingo à noite. Algumas observações.

O seqüestro
A principal discussão que ficou foi a respeito da decisão da Globo de atender às exigências dos seqüestradores. A emissora agiu certo ao exibir o vídeo? A maioria das manifestações que li foi de apoio.
Entre as vozes discordantes, destaco duas da Folha: os colunistas Elio Gaspari e Bárbara Gancia. Gaspari defendeu que as empresas jornalísticas "devem responder à bandidagem com um regime de tolerância zero" e sugeriu que, havendo o risco de novos seqüestros, elas deveriam anunciar que têm contratos de seguro de vida para todos os seus funcionários.
Gancia defendeu que a Globo deveria ter deixado que a Secretaria de Segurança esgotasse as possibilidades de negociação antes de ceder e propôs o que chamou de "solução radical": que todos os jornalistas assinem um manifesto proibindo a exibição de vídeos ou a publicação de textos caso sejam seqüestrados.
Na minha opinião a Globo fez o que deveria ter feito: colocou o vídeo no ar e noticiou exaustivamente o episódio e as razões pelas quais optou por acatar as exigências dos seqüestradores. Acho que agiu com responsabilidade. Embora tenha concessão pública, é uma empresa privada e tinha dois funcionários nas mãos de bandidos que desde maio desafiam as forças policiais do Estado e já provaram que são capazes de qualquer tipo de crueldade.
Gaspari e Gancia têm razão em relação a um ponto: foi criado um grave precedente. Todos devemos ter consciência do tamanho do problema, agravado pela comprovada incapacidade do Estado, até este momento, de controlar a situação.
E acho que ficou demonstrado para os jornalistas e as empresas jornalísticas que o episódio comoveu mais a sociedade pelo drama que o repórter viveu do que pela compreensão de que os bandidos teriam atingido uma instituição da democracia, a imprensa. Várias notas e declarações nossas tinham ranço corporativo. Não deve ser sem razão que a sociedade tem dificuldades para perceber o papel institucional dos meios e o valor da liberdade de imprensa.

A cobertura policial
As empresas jornalísticas estão cobrando, com razão, políticas de segurança pública eficazes dos governos e dos candidatos. Mas deveriam repensar a cobertura que fazem de violência e criminalidade. Não no sentido de adotar mais restrições ou censura, mas no sentido de qualificação profissional.
O jornalismo outrora dito policial melhorou, é um fato. Fazemos hoje uma cobertura de crimes e violência melhor do que fazíamos há 30 anos. A imprensa evoluiu para um jornalismo que tenta entender os fenômenos sociais que cercam as explosões de violência e criminalidade; evoluiu para uma relação mais profissional (menos promíscua) com as fontes policiais; e está preocupada (o que não significa que esteja tendo êxito) em não glamourizar o crime, as organizações criminosas e os bandidos.
Mas não deu o salto de conhecimento que outras áreas do jornalismo foram obrigadas a empreender por conta das exigências dos leitores e do próprio patrimônio de credibilidade dos meios -como foram os casos dos jornalismos econômico e científico.
O problema hoje não é falta de fontes ou falta de informações, embora também sejam problemas. É um problema de falta de conhecimento sobre o assunto.
Não são só os políticos que parecem perdidos. É evidente o despreparo dos meios jornalísticos para tratar de questões complexas como política de segurança. Não estamos mais disputando quem chega primeiro ao local do crime, mas estamos desafiados a entender e a avaliar as políticas públicas. Sem conhecer política de segurança fica difícil questionar os governos e os políticos. Sem conhecer os procedimentos que deveriam orientar a ação das polícias fica difícil questioná-las.
Está evidente que São Paulo, Rio e Minas implementaram, nos últimos 12 anos, políticas de segurança pública distintas. Que políticas foram essas? Acertaram? Erraram?
A Folha, e vale para os outros meios, não havia conseguido fazer até sexta-feira um estudo aprofundado do que foi a política de segurança pública em São Paulo na década em que o Estado esteve governado pelo PSDB, e isso apesar da crise que vem desde maio.
A falta de conhecimento nos leva a aceitar como verdadeira qualquer informação, sem que tenhamos condições discuti-las. Clóvis Rossi apontou para o problema na coluna de domingo passado, "O satélite mágico". Para se livrar dos jornalistas, representantes dos governos federal e de São Paulo divulgaram que o Exército cooperaria com a polícia paulista "sobretudo com a utilização de satélites para a localização de células do PCC e interceptações telefônicas", segundo a Folha. Rossi fez a pergunta que o jornal não fez: "Como se localizam, por satélite, células do PCC?"
Não há questionamento técnico porque falta conhecimento. E não é um problema exclusivo dos políticos e dos jornalistas. A impressão que tenho é que as universidades também ainda não elegeram o tema como prioritário, vide a lista diminuta e repetitiva de "especialistas" (os de sempre, como em "Casablanca") ouvidos pelos meios a cada crise.


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