São Paulo, domingo, 21 de abril de 2002

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Golpe e contragolpe

Muito se discutiu ao longo da semana a respeito da cobertura dada na imprensa ao golpe contra Hugo Chávez e sua volta à Presidência da Venezuela.
Penso que a velocidade e a complexidade dos eventos pós-golpe, os horários desfavoráveis, em especial no sábado (as edições de domingo são fechadas mais cedo do que as edições de dia de semana), afora as dificuldades de análise política e a ausência de correspondentes permanentes em Caracas -tudo isso em nada contribuiu para que os jornais conseguissem retratar fielmente tudo o que aconteceu.
Particularmente, não ficou clara, nos textos, por exemplo, a composição social majoritária dos manifestantes que se reuniram na semana do golpe contra o governo e, em especial, na própria quinta-feira, diante do Palácio presidencial de Miraflores.
Ainda assim, não detectei precipitações sérias no noticiário. Se houve equívocos, não creio que disseram respeito a esse tipo de problema.
Uma falha, que persistiu até os últimos dias, diz respeito à discussão sobre a responsabilidade pelas 15 mortes ocorridas no dia do golpe, assunto essencial ao qual a Folha pouco se dedicou.
Sem dúvida, porém, clara precipitação se evidenciou em análises e editoriais comemorativos da queda de Chávez.
Basta lembrar editoriais do "Estado de S.Paulo" e a cobertura enviesada, nos primeiros dias, do "Jornal do Brasil" e, entre as revistas semanais, da "Veja".
A esse propósito, vale citar a retratação assumida em editorial na última terça-feira pelo "New York Times", considerado o mais influente diário do mundo, que festejara no sábado a deposição de Chávez:
"Essa reação, com a qual nós havíamos concordado, desconsiderou a maneira não-democrática pela qual ele foi removido (...) Depor à força um líder democraticamente eleito, não importa quão mal ele tenha se saído, é algo que não deveria jamais ser comemorado".
Belo exemplo, que, até o fechamento desta coluna, não vi seguido por outro órgão.
Houve, registre-se, um outro tipo de pedido de desculpas, dessa vez por parte do canal venezuelano Globovision, na mesma terça-feira:
"Se cometemos um erro, nós assumimos. Peço desculpas pessoalmente a qualquer telespectador que sinta que tenhamos falhado naquele dia", afirmou no ar um representante da TV, conforme relato publicado no jornal "Valor" quinta-feira.
Ele se referia ao fato de as TVs não terem noticiado sábado as manifestações pró-Chávez.

No domingo passado, critiquei a Folha por não ter "cravado" claramente, e em manchete, na edição de sexta-feira, a queda de Chávez.
Alguns leitores questionaram se o retorno do militar da reserva ao poder não mostrava que eu errara e que o jornal acertara, por ter agido com "cautela". Não creio.
A volta de Chávez levou 48 horas, como poderia ter levado dez dias -ou, até mesmo, 24 horas. E a própria Folha deu no sábado, com todas as letras, acertadamente, a deposição.
O que comentei na coluna dizia respeito aos eventos da noite de quinta para sexta e à capacidade de captar o que ocorreu ali, naquelas horas.
Em termos puramente jornalísticos, a volta de Chávez já foi um outro momento.



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